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Cidadania trentinos 2020: Advogado busca abrir a via judicial em Roma

[ E S P A Ç O P U B L I C I T Á R I O ]

Luiz Scarpelli, advogado inscrito na Ordem dos Advogados de Roma, que atua em processos de cidadania iure sanguinis pela via judicial, paterna e materna, no Tribunal Ordinário de Roma, após se debruçar sobre o assunto e realizar consultas com colegas italianos, tomou a decisão de trabalhar para criar a jurisprudência para o reconhecimento da cidadania italiana trentina na Itália.

O objetivo é permitir o direito à cidadania italiana aos milhares de ítalo-brasileiros que descendem de emigrados de territórios pertencentes ao antigo Império Austro-Húngaro, região que passou a fazer parte do Reino da Itália, após a Primeira Guerra Mundial.

Luiz Scarpelli já atua em processos de cidadania italiana iure sanguinis pela via judicial, paterna e materna, desde 2016, no Tribunal Ordinário de Roma, na Itália. 

O reconhecimento da cidadania italiana aos trentinos, não é permitido desde 19 de dezembro de 2010. 

A região Trentino-Alto Ádige é composta pelas províncias de Trento e de Bolzano e os seus territórios, que faziam parte do antigo Império Áustro-Húngaro, somente foram anexados à Itália no final da Primeira Guerra Mundial, a partir da assinatura do Tratado de Saint-Germain-en-Laye, em 10 de setembro de 1919. Com o término do Império Austro-Húngaro houve a extinção da cidadania austro-húngara. Em vista disso, nos anos pós-guerra, muitos trentinos e seus descendentes passaram a ser considerados imigrantes pelo governo italiano.

Em dezembro do ano 2000, o Parlamento italiano aprovou a lei Nº 379 que reconhecia, aos residentes e aos nascidos no território que pertenceu ao Império Austro-Húngaro, e aos seus descendentes, o direito à cidadania italiana. Entretanto, o requerimento da cidadania italiana somente poderia ser feito até o dia 20 de setembro de 2005, prazo que acabou sendo prorrogado para 19 de dezembro de 2010.

Acompanhe, a seguir, a entrevista com o advogado Luiz Scarpelli, que é inscrito, também, na Ordem dos Advogados de Portugal e do Brasil, nos estados de SP, MG, RJ, ES e GO.

- No que é baseada a sua determinação de tentar abrir a via judicial para a cidadania italiana trentina?

Não é de hoje que eu estou estudando e buscando uma alternativa para o caso dos trentinos que foram abandonados pelos políticos na Itália. Todo mundo sabe que nós tivemos o Tratado de Saint-German, em 1919,depois da primeira Guerra Mundial, onde todas as pessoas, provenientes da região pertencente ao ex- Impero Austro-Ungarico, passaram a ser reconhecidas como cidadãos italianos, porque aquele território foi anexado ao Reino da Itália.

Acontece que no ano de 2000 surgiu uma aberração. Um político apresentou um projeto de lei no Parlamento, alterando o entendimento à luz do ordenamento jurídico italiano, em relação às pessoas que nasceram naquela região. 

- Do que se trata essa lei?

O decreto Nº  379 de 2000, uma aberração, um decreto absolutamente inconstitucional, diz que todas as pessoas descendentes de cidadãos italianos que pertenciam àquela região, que foi anexada ao Reino da Itália, podiam requerer ou pleitear o reconhecimento da sua cidadania italiana no prazo de cinco anos, de 2000 a 2005, abrindo um processo administrativo perante os círculos trentinos e os consulados da Itália. 

Bem, é uma lei italiana da qual muita gente no Brasil não tomou conhecimento. Muita gente na época era criança, pois estamos falando de 20 anos atrás. Muita gente tinha, nessa época, seis, sete, oito anos de idade, os pais não viram este decreto e simplesmente as pessoas não procuraram. Depois, o prazo foi prorrogado. No espaço de 2000 a 2010, quem tinha sangue trentino, italiano, poderia pedir o reconhecimento da cidadania italiana. Passado este prazo, não tinha mais condição, não podia mais pedir, acabou o direito.

Isso é inconstitucional, um absurdo, uma aberração; é um decreto injurídico, irregular, inconstitucional, como muita coisa que envolve a cidadania italiana. 

- E qual é a sua proposta, no que ela é baseada? 

Bem, começamos a estudar, e não é de hoje que eu estou estudando, estava esperando uma data especial para fazer um comunicado e agora é oficial.

O Studio Legale Adv Luiz Scarpelli vai entrar na guerra pelos cidadãos trentinos.  O Reino da Itália, quando surge, em 17 de março de 1861, é a soma e a união de vários reinos. O Reino da Sardenha, das Duas Sicílias, do Grão-Ducado da Toscana, da República de Veneza que se uniram e formaram o Reino da Itália. A Itália não existia. E todas as pessoas que residiam naqueles territórios, com o nascimento e o surgimento do Reino da Itália, passaram a ser consideradas cidadãos italianos, com a lei Nº  555 de 13 de junho de 1912, que foi a primeira lei que tratou realmente de cittadinanza.

Qual é a diferença das pessoas que residiam no Reino das Duas Sicilias, no Grão-Ducado da Toscana, na República de Veneza ou no Reino da Sardenha, territórios que passaram a fazer parte do Reino da Itália, e que por isso se tornaram cidadãos italianos porque residiam naquela área? 

A biblioteca do Ministério da Justiça, em Roma, é uma das maiores bibliotecas com livros jurídicos do mundo, e não é de hoje que eu estou ali buscando a resposta. Agora, após várias pesquisas, encontrei um livro de 1920, portanto de cem anos atrás, que explica em detalhes o que aconteceu com o Tratado de Saint-German.  Resumidamente, o decreto Nº  379 de 2000 é inconstitucional e nos vamos lutar por isso. 

- Lutar a partir de qual princípio?

Esta lei foi aprovada no Parlamento italiano, porém, em minha opinião, ela é absolutamente inconstitucional, inaceitável. E por que eu digo isso? Eu fiz uma consulta, mandei e-mail para o governo austríaco que me respondeu dizendo que as pessoas que nasceram na região pertencente ao Império Austro-Ungarico, que depois passou a fazer parte do Reino da Itália, não são austríacas. Porque eu estava tentando buscar um caminho jurídico, eu até tinha feito contato com um colega advogado na Áustria, para ver se eu conseguia abrir a via judicial austríaca para os descendentes trentinos terem a cidadania austríaca reconhecida. E veio a resposta que essas pessoas não são austríacas. Daí, se o antenato italiano daquelas pessoas que são descendentes de italianos daquela região, se eles não são austríacos, e se o decreto Nº 379 de 2000 também está dizendo que eles não eram italianos, pois, se eles não passam a cidadania italiana para os seus descendentes, eles não o são, nós estamos diante de um decreto que colocou aquelas pessoas em situação de apolide (apátridas), ou seja, são cidadãos sem cidadania.  

Concluindo, com o decreto Nº 379 de 2000, o governo italiano colocou em situação de apátrida todas as pessoas daquela região, porque o antenato italiano de todos eles não tem mais cidadania; ele não é italiano, ele não é austríaco, então ele morreu como uma pessoa que não tinha cidadania, que foi achada na rua?

Se o decreto de Nº 379 de 2000 está dizendo que o seu antenato do Trento não é italiano, e se o governo austríaco diz que ele não é austríaco, ele é o que? Apátrida? Porém, a Constituição italiana proíbe o Estado de retirar a cidadania de alguém e deixar a pessoa sem cidadania.

Eu não vou avançar na explicação técnica jurídica porque tem outras leis que a nós iremos usar e que explicam isso muito bem. 

- E qual será a sua estratégia?

Fiz uma reunião com dois colegas advogados, aqui em Roma, e decidimos tentar abrir a via judicial, apresentando dez ações de reconhecimento da cidadania italiana trentina pela via judicial. O nosso empenho será abrir a jurisprudência da via trentina. É bom que se diga que, até o momento, não existe sentença, não existe jurisprudência, nada que dê alguma garantia. O juiz poderá julgar procedente ou improcedente; o advogado não vende sentença, não garante vitória, quem julga e decide é o juiz. 

- Como se abre jurisprudência?

Ajuizando a ação. Não tem como abrir jurisprudência sem ajuizar a ação. Não tem como saber o que um juiz vai dizer antes de ajuizar uma ação; não tem como saber o que pode acontecer em um processo judicial, sem ajuizar uma ação.

Jurisprudência é um conjunto de julgados, um conjunto de sentenças prolatadas por diversos juízes sobre um mesmo assunto que leva o tribunal a entender que, toda vez que cai um caso igual a esse, a jurisprudência diz que deve ser julgado procedente. É o que nós já temos na via materna e na via paterna judicial.  Eu quero abrir na via trentina, mas eu só vou conseguir se eu ajuizar ações e os juízes considerarem procedentes.

- E por que 10 ações? 

Porque existe no direito o princípio da imparcialidade e também o princípio do juiz natural. O que acontece, as ações elas são colocadas na cancelleria do Tribunal e são distribuídas para vários juízes. O que eu vou fazer: eu só vou ajuizar dez ações da via trentina, neste ano de 2020, somente dez, sem cobrar honorários, apenas as despesas para ajuizar a ação. Se a ação for ganha, recebo os honorários, do contrário, não. Faço isso porque eu não sou movido por dinheiro, eu sou movido por paixão, por ajudar, por servir, eu sou assim. Eu não prometo a vitória, eu prometo muito trabalho. Porque eu tenho muito interesse, vontade e determinação para vencer esta batalha contra essa injustiça que fizeram contra os trentinos na Itália.

ASSISTA AQUI AO VÍDEO COM AS INFORMAÇÕES COMPLETAS SOBRE O ASSUNTO