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Entrevista: David Randon

O empresário David Randon encerrou, em dezembro de 2004, o período de três anos em que esteve à frente da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul (CIC) - entidade que congrega mais de 850 empresas na Região Nordeste do Rio Grande do Sul, considerada o berço do empreendedorismo gaúcho, fortemente marcada pela colonização italiana no Estado.

Vice-presidente da Randon Participações, uma das gigantes mundiais no segmento de implementos rodoviários, autopeças e serviço, David Randon, em entrevista ao site Oriundi, fala a respeito da sua gestão na presidência da CIC, das perspectivas econômicas para Caxias do Sul, do atual sistema tributário, entre outros temas.

Redação Oriundi - Qual a avaliação que o senhor faz da sua gestão como presidente da CIC?

David Randon - Nos últimos três anos, período em que estivemos à frente da CIC, trabalhamos para desenvolver, representar e liderar a comunidade empresarial caxiense, atuando fortemente na defesa da livre iniciativa e em ações que visaram ao desenvolvimento da Região Nordeste do Estado. A CIC procurou ser uma facilitadora das iniciativas empresariais, e para tal definiu princípios básicos de atuação no período 2002-2004, que foram a ética, a valorização do empresário, a qualidade, o meio ambiente e a integração. Contamos com a estreita colaboração dos sindicatos de categorias econômicas e estabelecemos produtivas parcerias com órgãos públicos, entidades e instituições. Tudo isso contribuiu para que realizássemos uma gestão marcante para a história da CIC.

Redação Oriundi - Ao longo de sua gestão na CIC, várias iniciativas se concretizaram, entre elas, a constituição da Associação de Garantia de Crédito da Serra Gaúcha. Na sua opinião, qual a importância dessa instituição no apoio às micro, pequenas e médias empresas considerando-se, em particular, que uma das principais dificuldades desse segmento da economia sempre foi justamente a contratação de financiamentos?

David Randon - O que torna a Associação de Garantia de Crédito (AGC) tão importante para as micro e pequenas empresas que fazem parte desta entidade é que ela vem ao encontro de uma das maiores dificuldades no acesso às linhas de financiamentos: a falta de garantias que suportem as operações. Como normalmente o patrimônio destas empresas não é muito grande e as instituições financeiras costumam exigir altos valores em garantia nas suas operações há restrições ao acesso das micro e pequenas empresas ao crédito formal. Com uma entidade da natureza da Associação avalizando suas operações, as micro e pequenas empresas vão poder acessar linhas de crédito que antes não conseguiam, e os bancos vão se sentir mais seguros em realizar os empréstimos, criando um ambiente mais favorável aos negócios para ambas as partes. Além de prover a garantia, a Associação, através dos entes promotores como Sebrae, CIC, Sedai, prefeituras e entidades de classe, possui instrumentos para habilitar as empresas no acesso ao crédito, como consultorias, cursos de capacitação gerencial e outras ferramentas que podem conferir mais qualidade às operações garantidas pela AGC.

Redação Oriundi - O País tem convivido, nos últimos tempos, com um superávit da balança comercial. Agora, com a desvalorização do dólar, essa tendência pode ser interrompida. Na sua opinião, que medidas podem ser tomadas no sentido de manter as exportações com saldo positivo?

David Randon - Segundo previsões de especialistas, teremos um menor índice de crescimento da economia mundial e, como conseqüência, uma diminuição no ritmo de alta das exportações brasileiras. O câmbio, por si só, salvo que haja uma grande apreciação, o que é bem pouco provável, não fará com que as exportações sejam prejudicadas de forma substancial. A manutenção da política cambial ou até uma certa desvalorização não deve ser fator depreciativo com relação ao superávit da balança comercial. Uma maior atenção à política fiscal daria fôlego às empresas para efetuar maiores investimentos, gerar mão-de-obra especializada e trazer resultados diretos na competitividade dos produtos brasileiros no mercado mundial. Este deveria ser o viés a ser dado pelo governo para que se busque um amadurecimento da cultura exportadora do Brasil. Administrar custos de exportação, buscando alternativas de driblar a política cambial, não deve ser prática comum em um país que busca o desenvolvimento sustentado.

Redação Oriundi - Os mais recentes indicadores revelam o desempenho favorável da economia caxiense. O crescimento está acima da média estadual e a abertura de postos de trabalho tem sido significativa. Quais as razões que determinam esse contexto? E como Caxias do Sul pode mantê-lo?

David Randon - Caxias do Sul, por apresentar uma economia bastante diversificada e muito competitiva, sempre reage com mais intensidade às flutuações que atingem a economia nacional. Este comportamento é verificado tanto nos períodos de crescimento quanto de queda na atividade. Todos devem estar lembrados da magnitude dos indicadores negativos que apresentamos já no final de 2002, quando o quadro de estagnação da economia nacional começou a se delinear, e às vezes nossos indicadores foram criticados e até postos em dúvida. Pois a tendência medida por nós se confirmou com a divulgação do PIB municipal de 2002, medido pela Fundação de Economia e Estatística, que mostrou uma queda 2,3% para Caxias do Sul enquanto o Estado crescia 1,4%. Agora, em 2004, provavelmente teremos um crescimento em torno dos 15% no agregado dos setores industrial, comercial e de serviços, o que está acima dos números levantados para o Estado. Novamente, as causas principais devem ser a diversificação da nossa atividade industrial, a abertura de novos mercados, o alto valor agregado de nossos produtos, a qualidade de nosso capital humano e a ênfase no mercado externo. Para a manutenção deste contexto em 2005, seria imprescindível que o Governo, em todas as suas esferas, criasse condições mais favoráveis à atividade econômica, aumentando a oferta de crédito para a produção, reduzindo a pressão da carga fiscal, oferecendo uma política de juros que incentivasse o investimento produtivo, e principalmente, deixando de transferir para a atividade produtiva o ônus de suas ineficiências administrativas.

Redação Oriundi - O sistema tributário é apontado, invariavelmente, como um dos maiores entraves ao crescimento da produção e à expansão da economia. O País convive com uma das maiores cargas tributárias do mundo. Como o senhor analisa as conseqüências dessa situação para o setor produtivo e para a sociedade de uma maneira geral? Até agora, ocorreram muitos acenos mas, efetivamente, o quadro praticamente permanece inalterado. O senhor acredita que essa realidade venha a se transformar, o que é possível fazer? 

David Randon - O sistema tributário brasileiro possui um viés perverso na sua concepção. A tributação deveria incidir sobre a renda e não sobre a produção. As conseqüências desta política se refletem diretamente no consumidor final que, embora poucos tenham consciência exata da sua extensão, invariavelmente é quem paga a conta. As propostas existentes para mudar este panorama são paliativos grosseiros das alterações que na verdade deveriam acontecer, e não será possível haver alterações significativas enquanto não existir uma consciência de parte dos governantes que não é só elevando os impostos que se arrecada mais; é também possível aumentar a base de arrecadação, o que sem dúvida seria mais democrático e eficiente.

Redação Oriundi - Qual a sua opinião a respeito da condução da política macroeconômica do Governo Federal? E, mais especificamente, qual sua opinião sobre a taxa de juros?

David Randon - De um modo geral o governo atual tem surpreendido positivamente na condução da política macroeconômica. No entanto se faz necessário repensar a política de juros como forma de manter a inflação ou até como forma de autofinanciamento da dívida pública. Somente 27% do PIB é utilizado para investimentos, o restante é para rolagem da dívida ou para curto prazo, o que, com certeza, inibe o crescimento e penaliza as empresas que necessitam de modernização constante.

Redação Oriundi - Qual a sua avaliação a respeito da situação econômica do Estado e que alternativa se contrapõe à proposta do Executivo de aumentar o ICMS? 

David Randon - O Estado convive com um déficit estrutural antigo e crescente e se encontra em situação caótica, para dizer o mínimo, e não haverá saída enquanto o governo não fizer o dever de casa, ou seja, o Estado não pode ser maior que sua arrecadação.