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Il bisnonno Giovanni*

Minha família: pessoas que  se estabeleceram em um país que não era o deles. Isto pressupõe a existência de um país que pudessem chamar de seu: a Itália. No entanto, este país se resumia a apenas um lindo  vilarejo branco que se debruçava sobre um mar de um azul profundo. Cores que brilhavam tão violentamente ao sol do meio dia que obrigava a todos que passassem por suas ruas a caminhar com os olhos semi-cerrados. Para sobreviver, cultivavam as terras desérticas da Contessa. Mas, havia a ´Merica. Terra sonhada, grávida de promessas fantásticas.

Para cá vieram, se instalaram no cinzento bairro do Brás, em São Paulo, que se tornou rapidamente o reduto de imigrantes vindos de Polignano a Mare. As cores tristes da `Merica tão sonhada contrastavam com as memórias do vilarejo ensolarado que deixaram para trás. Mas, o que poderia ter sido um problema, talvez tenha sido a solução: o cinzento bairro tornou-se o epicentro do furacão dos sonhos de seus moradores, cujo olhar transformou o Brás em uma  terra mágica e colorida, a sempre utópica `Merica

Assim aconteceu com todos os meus bisavós, entre eles o Signore Giovanni Bianco. Morreu antes que eu nascesse, mas o conheci muito bem... não “o”  Giovanni, mas o homem a quem as histórias que dele minha avó Margarida me contou,  deram origem.

Vendia e comprava garrafas de vidro que carregava em uma carroça, guiada por Cicci - apelido carinhoso de seu fiel cavalinho, magro, raquítico, mas extremamente inteligente. Sim, é exatamente isso : Cicci guiava e  meu  bisnonno era  guiado. Depois de um dia de trabalho duro, parava no bar da esquina para encontrar os amigos , jogar “Patrone e sotto” e beber um copo de vinho... Sempre ganhava no jogo ,dizia que tinha molta fortuna, os outros, os perdedores, achavam que  roubava, mas nunca ninguém conseguiu descobrir como. Para comemorar sua vitória de todos os dias,sempre bebia mais alguns copos de vinho e, como direção e bebida não combinam, pioneiro nas regras do trânsito, pedia ao Cicci com a sua voz doce:”Caro, portami a casa!” Obedientemente, Cicci seguia a passos lentos pelas ruas esburacadas para não despertar o Giovanni de seu sonhos “angélicos” e o levava direto para casa, sem nunca ter  errado o caminho!

Giuseppe deu em casamento sua filha, Margarida, a Ignazio, meu futuro nonno , a um de seus melhores amigos e companheiro de jogo, Vito Labbate, meu outro bisnonno, cujo segredo das vitórias constantes de  Giovannni no “Patrono e Sotto”quase o enlouqueceram. Giovanni viveu pouco, vítima de um acidente de trânsito entre duas carroças...Cicci bravamente sobreviveu e morreu de velhice. O bisnonno Vito não se conformou em perder o amigo (as más línguas disseram que ele não se aceitava que o Giovanni tivesse morrido sem lhe contar como roubava no jogo. Que desfeita!)
 
Naquela época, o velório era feito dentro das casas, o caixão era colocado sobre a mesa da sala de jantar, ou da cozinha... Tradicionalmente, as mulheres da família eram encarregadas de preparar o morto. Mas, com o bisnonno Giovanni tudo foi muito diferente. Houve uma briga entre os homens da família, liderada pelo bisnonno Vito, contra sua esposa, a esposa do Giovanni, filhos etc... Ele e seus amigos e companheiros de jogo  de Giovanni exigiam prepará-lo para o velório. Vitória para os homens. Trancaram-se em um dos quartos. Minha avó me contou que nunca nenhum defunto tinha demorado tanto para ser preparado... e, coisa estranha, quase um sacrilégio, do quarto onde estavam se ouviam gargalhadas e mais gargalhadas, uma festa! Faziam um contraste incrível com o choro das mulheres do lado de fora.Algumas choravam pela perda, outras pelo sacrilégio das gargalhadas e outras, simplesmente pela falta de algo melhor para fazer.

Após algumas horas, a porta do quarto onde estava o bisnonno Giovanni foi aberta: todos que estavam do lado de fora, se puseram em fila para vê-lo, mas assim que o viram ficaram petrificados como as filhas de Lot e se verdadeiras estátuas, de queixo caído e bocas escancaradas: sentados ao redor de uma mesa onde se viam cartas de baralho espalhadas e copos de vinho, estavam todos os amigos de Giovanni e, o próprio Giovanni, com um charuto entre os lábios e um copo de vinho à sua frente e meu bisnonno Vito que gritava: “Voghe v´dei c´meu i a d´arrebê!!” Se você não entendeu, não se assuste...esta s estranhas palavras estão em dialeto polignanese e querem dizer: “Agora quero ver se você consegue roubar”.

*Por Rosana Labbate -Diretora da Aliança Cultural Italiana
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