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A sexualidade em Leonardo

Matéria de capa da “Allure” (set.de 2020) aponta “O Futuro da Beleza” para um conceito andrógino (como corporificado na modelo trans Hunter Schafer): questão contemporânea já preocupava Leonardo em pleno século XV. 

Por Átila Soares da Costa Filho

Um relevante fator renascentista sobre a “Mona Lisade Da Vinci - seu trabalho mais reconhecido - parte do grande interesse deste pela busca de um ideal da beleza (ou ordem) maior: o princípio dual ou “dos opostos” nas coisas. Essa questão do dualismo nos remete a Heráclito de Éfeso (c.535-475 a.C.) e seus pensamentos sobre o cosmo e o uno, o devir e a harmonia. Também os estudos sobre Fibonacci e a razão áurea, a força do equilíbrio simétrico, viriam a ser de uma importância singular em suas composições. Em especial, na iconografia de Da Vinci que aborda os temas sobre juventude-maturidade e androginia, temos alguns exemplos de como tais implicações filosóficas seduziam seu gênio.

Uma mostra de como Da Vinci, na qualidade de artista-designer, deixava-se arrebatar pela complexidade diversa que há em tudo, pela ideia de que cada um de nós é um universo e que o universo também é cada um de nós, repousa na Universidade de Oxford, Christ Church, em um desenho do conjunto “Alegoria à política de Milão”, executado entre 1483 e 1487. Ali, temos duas místicas fazendo uso de um espelho mágico, além de alguns antigos símbolos signicativos para a alquimia e o hermetismo (controle dos elementos naturais); ou seja, a presença de aves e de elementos serpentiformes: o magnetismo e a eletricidade. Uma daquelas mulheres se apresenta no mesmo esquema gestaltiano, com uma face jovem e outra, velha. Aliás, a leitura adicional aí cabível, a temática da efemeridade do Homem, foi mais uma das constantes nos estudos ocultos e nas artes da Idade Média à Renascença, seguindo (mais acentuadamente) até o Romantismo e o Expressionismo. Mas Christ Church ainda nos reservará outro desenho denominado “Alegoria do prazer e da dor”, de 1480, onde se vêem duas figuras masculinas - um jovem e um senhor - que se projetam do mesmo corpo. A ideia aí é ilustrar a necessidade do prazer para a existência da dor e vice-versa: mais uma vez, a questão dos unos e dos opostos. 

Capa em dose dupla da revista feminina americana “Allure” (set.de 2020)

Já em idade avançada, e sem muito o que esperar para daí em diante, o artista se permite o “filosocamente incorreto” e passa a meditar a própria homossexualidade compreendendo-a mais como uma superação do ego (como assim quer a gnosis). A ideia seria assumir, de maneira sincera e espontânea, o fenômeno do amor e do sexo como manifestações de natureza mais espiritual e vibracional que como ferramentas de procriação... e, nisso, não há que se falar exclusivamente da heterossexualidade. Quer enxergar na conduta apenas mais uma possibilidade na complexa ordem das coisas, do cosmo: algo que deveria ser natural, livre de se restringir a qualquer convenção... esta, sim, uma artificialidade humana gerada por interesses e conveniências. Todavia, o que nos interessa é que Leonardo, então, se sentirá mais à vontade para aplicar sobre a Mona Lisa outro elemento a sintetizar a dimensão da complexa e multifacetada natureza humana: a Gioconda é andrógina, produto do HOMO UNIVERSALIS, um ser humano perfeito. Ou seja, sua identidade é jovem (“Jovem Dama com casaco de pele”, coleção particular) e madura (Louvre, Paris), como ela também é... masculina e feminina. 

Estudo para cabeça humana: inegável interesse de Da Vinci para figuras andróginas

Estudos puderam identicar alguns sinais obscuros nesta e em algumas outras pinturas de Leonardo, como letras, anagramas e desenhos. As marcas, camufladas nos tantos elementos visuais das obras, nem sempre são de fácil identicação, mas um somatório sequencial-gráco de evidências parece indicar alguma “intenção” por trás do que possam parecer traços ao aleatório. Na verdade, seriam uma interferência do gênio em vias de eternizar sua grande paixão por Caprotti - alguém com quem, desde seus 10 anos de idade, o mestre convivia - na forma de uma obra artística tecnicamente sem precedentes. De fato, análises antropométricas podem revelar o rosto da Gioconda ser uma combinação entre as metades faciais masculina (direita) e feminina (esquerda) da espécie humana. Na verdade, a Mona Lisa somos todos nós.

Prof.Átila Soares da Costa Filho 
asoarescf@zipmail.com.br

O Prof. Átila Soares da Costa Filho é graduado em Desenho Industrial (PUC-Rio), especialista em História, Antropologia e Filosofia e autor de A JOVEM MONA LISA, LEONARDO E O SUDÁRIO e co-autor de LEONARDO DA VINCI’s MONA LISA: New Perspectives.