UIL

Cidadania mais cara em 2025: O que levou a Itália a fazer o que fez

Entenda as razões que levaram ao aumento dos custos do reconhecimento da cidadania italiana.

Por Mathias Haesbaert

Como todos já sabem, foi aprovada a Lei Orçamentária na Itália para o ano de 2025.

A partir de 1º de janeiro de 2025 os custos para buscar o reconhecimento da cidadania italiana aumentaram significativamente, em todas as esferas. A partir de agora, quem fizer o processo no consulado deverá pagar 600 euros, ao invés dos 300 euros que eram cobrados anteriormente.  O mesmo valor será cobrado pelos comunes pela via presencial na Itália (antes não se pagava nenhuma quantia nos processos administrativos por lá).

A mudança maior atingiu a via judicial, justamente a mais movimentada de uns anos pra cá: o Estado Italiano exigirá o pagamento de 600 EUR para cada um dos integrantes do processo, inclusive menores de idade. Até 2024, as custas judiciais eram de 545 euros no total, independentemente do número de autores na ação.

Essas taxas judiciais foram impostas exclusivamente para os processos de reconhecimento de cidadania, configurando mais um obstáculo no (já árduo) caminho até o reconhecimento da cidadania italiana, principalmente para aquelas famílias com menos recursos financeiros, que serão diretamente afetadas.

Ao discriminar os ítalo-descendentes, a medida fere a Constituição da Itália, sobretudo o princípio da isonomia e da universalidade do direito à cidadania, e sua legitimidade provavelmente será questionada na justiça.

Lamentável que a mudança em análise ocorra justamente quando se comemoram os 150 anos da imigração italiana no Brasil, mas – convenhamos – não foi surpresa: há bastante tempo se observa movimentos na direção de obstaculizar e dificultar o caminho dos ítalo-descendentes.

Nesse momento muitos perguntam quem seria o responsável por tudo o que ocorreu. É difícil saber, mas não é proibido especular: aparentemente, foi um conjunto de elementos (não um fator isolado) que levou a Itália a fazer o que fez.

Em primeiro lugar, quem já teve relação com os italianos nascidos na Itália sabe que eles não nos veem como italianos “verdadeiros”, a maioria dos italianos não concorda com a “facilidade” da lei de cidadania, nos veem – sim – como estrangeiros.

O descontentamento com quem ganha dinheiro trabalhando com isso sempre existiu e piorou com as redes sociais. Os italianos não gostam do “business” da cidadania e a mercantilização da matéria, cuja cereja do bolo foi o malfadado “Black Friday” da cidadania, certamente não nos favoreceu.

Não podemos também desconsiderar o grande volume de trabalho que os ítalo-descendentes dão para os consulados, comunes e agora tribunais, que não querem ficar trabalhando para “estrangeiros” sem contrapartida. Muitos funcionários públicos de fato ganham pouco e não se pode negar que há pouca estrutura para lidar com uma demanda muito grande de serviço. 

Esse novo obstáculo (de natureza econômica) que foi criado agora talvez seja visto como uma forma de diminuir o trabalho dessas pessoas, embora haja dúvidas se realmente o volume de novas ações diminuirá.

O Interesse do Estado italiano em arrecadar igualmente se faz presente aqui e não pode ser ignorado como um fator importante, talvez o mais importante de todos. O próprio “silêncio” da primeira-ministra Giorgia Meloni acerca do assunto (ela que já se declarou favorável ao ius sanguinis) é sintomático.

Essa celeuma toda também foi uma oportunidade para certos políticos ganharem visibilidade: o vice-primeiro-ministro da Itália e Ministro das Relações Exteriores Antonio Trajani apareceu na mídia um bocado de vezes em 2024. Trajani deseja restringir a transmissão de cidadania por direito de sangue e facilitar o reconhecimento para filhos de imigrantes nascidos na Itália. Com a criação das taxas de 600 euros, pode-se dizer que Trajani saiu-se “vencedor” na luta contra as “pessoas que não se interessam pela Itália e querem o passaporte apenas para entrar na Europa e nos Estados Unidos".

As brigas e rusgas de alguns profissionais da área com os comunes e consulados podem ter provocado a ira de outros players, como o prefeito do Comune de Val di Zoldo, Sr. Camillo De Pellegrin, inimigo número 1 da comunidade ítalo-descendente. Diante de tudo o que vem ocorrendo, não é absurdo imaginar que o prefeito se reuniu com outras autoridades públicas italianas, como o ex-presidente do Tribunal de Veneza, Sr. Salvatore Lagana (que se mostrou bastante incomodado com a enxurrada de novas ações no seu tribunal) e o Presidente da Corte d’Appello de Veneza, Sr. Carlo Citterio (o qual também já reverberou contra o alto número de processos que tramitam nos tribunais do Vêneto) para formar um grupo visando dificultar a vida dos ítalo-descendentes e que esse grupo tenha contatado os políticos italianos.

Isso sem falar nos Comunes, que não aguentam mais transcrever atos e mais atos de “brasileiros”. Não esqueçamos que a ANUSCA (associação italiana que reúne os cartórios dos comunes do país), por meio de seus expoentes, já deu recomendações apartadas da realidade jurídica brasileira, muitas das vezes em detrimento dos direitos dos ítalo-brasileiros, apostando em interpretações draconianas das normas pertinentes. Aparentemente a ANUSCA também não joga no mesmo time que os ítalo-descendentes.

Por último, é justo fazermos uma reflexão e até uma autocrítica: muitos brasileiros com descendência italiana não buscam uma ligação mais efetiva com a cultura do “Bel Paese”, não se esforçam para estreitar a relação com a Itália, não se interessam em aprender um pouco o idioma. Mesmo entre os que já foram reconhecidos existem aqueles que só se preocupam em manter os seus dados atualizados com a Itália (endereço, estado civil e registro de filhos menores) na hora de fazer o passaporte. Será que isso é ignorado pelas autoridades italianas? Será que isso também não contribui um pouco para a criação do clima hostil que estamos vivenciando nos últimos anos, e que culminou com o encarecimento do processo?

Nesse contexto que a alteração foi aprovada, um mix de fatores e elementos, alguns antigos, outros novos.

O Governo italiano, vendo que não há como mexer no direito das pessoas, resolveu participar do tão criticado “business” da cidadania italiana. Que ironia...


Mathias Haesbaert é advogado ítalo-brasileiro, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (Seção Rio Grande do Sul - nº 58.620) desde 2004. Com larga experiência, presta atendimento a todo o Brasil, exclusivamente na área da cidadania italiana.

WhatsApp:

(51) 99989-9995

Instagram:

@portoitaliacidadania

Site do escritório:

portocidadaniaitaliana.com.br

E-mail:

contatoportoitalia@gmail.com 

Endereço:

Av. Getúlio Vargas, 901/1305 - Menino Deus - Porto Alegre/RS - CEP: 90150-003