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Juristas italianos contestam direito à cidadania de descendentes

Por Dr. Mathias Iserhard Haesbaert

O grande número de ações judiciais de cidadania italiana, promovidas por ítalo-brasileiros nos tribunais da Itália, tem chamado a atenção das autoridades públicas italianas (principalmente da região do Vêneto), que não estão gostando muito do que está ocorrendo por lá.

Em janeiro, o presidente da Corte de Apelação do Tribunal de Veneza (Sr. Carlo Citterio) se pronunciou a respeito do fenômeno, reclamando bastante da sobrecarga de trabalho naquele tribunal. Recentemente, também o prefeito de um comune do Vêneto (Val di Zoldo) protestou contra o aumento de serviço que essas ações estão acarretando. Agora em abril, o jornal “Il Gazzettino”, de Veneza, noticiou que o “boom” de requisições judiciais para o reconhecimento da cidadania italiana, registrado “principalmente por parte de brasileiros”, estaria assustando os magistrados, que se preocupam com uma “situação fora do controle”.

É nesse contexto que, na sexta-feira dia 12/04/2024, na bela e importante Universidade de Padova, realizou-se um “Convegno di Studi” (seminário) sobre o tema. No “folder” de divulgação do seminário consta que o assunto seria debatido ”alla luce del singolare caso degli accertamenti giudiziali a favore di cittadini brasiliani”, ou seja, o objeto de análise era justamente as ações judiciais de cidadania italiana que estão sendo ajuizadas pelos ítalo-brasileiros na Itália. O evento reuniu juristas do Vêneto e especialistas em Direito Constitucional e foi uma boa oportunidade para conhecer a opinião dos italianos acerca do assunto.

Pois bem, os debatedores expressaram posições contrárias ao direito de cidadania dos descendentes, deixando claro que não concordam com a atual legislação, considerada por eles como excessivamente liberal. De certa forma, tratou-se mais de um evento político do que propriamente jurídico.

O professor Sandro De Nardi, renomado constitucionalista italiano, da Universidade de Padova, discutiu o significado da dupla cidadania e afirmou que o conhecimento da língua e da cultura seriam fundamentais para o pleno exercício da cidadania italiana. Questionando sobre os limites ao reconhecimento da cidadania italiana, De Nardi lembrou que o número de pessoas potencialmente interessadas na cidadania italiana em todo o mundo “é estimado em 80 milhões de descendentes”.

O professor Fabio Corvaja (também constitucionalista da Universidade de Padova) criticou o crescente número de reconhecimentos de cidadania italiana para ítalo-brasileiros, inclusive discordando da decisão proferida pela Suprema Corte da Itália que afastou a tese da “Grande Naturalização”. O professor chegou a dizer que os italianos que migraram para o Brasil deveriam ter perdido a cidadania italiana: “é necessário intervir na lei” para fins de revisar “um texto que é manifestamente irracional”, bradou Corvaja.

Após, o presidente do Tribunal Ordinário de Veneza, Salvatore Laganà - na mesma linha do presidente da Corte de Apelação do Tribunal de Veneza (Sr. Carlo Citterio) - citou a problemática operacional que o seu tribunal está enfrentando por conta do grande volume de novas ações ajuizadas todos os dias. Laganà destacou os desafios organizacionais e processuais enfrentados pelos juízes nos dias atuais: “com um ritmo de 1.500 protocolos por mês, três quartos dos juízes no Tribunal de Veneza vão trabalhar apenas para os brasileiros, negligenciando a proteção dos direitos dos cidadãos que vivem na Itália”.

O advogado do Estado, Stefano Maria Cerillo, igualmente criticou a noção atual de dupla cidadania, argumentando que o “status” de cidadão italiano deveria considerar o conhecimento da língua e da cultura italianas, e não apenas a descendência (direito de sangue). Cerillo defendeu uma ampla revisão na lei da cidadania, notadamente no que tange ao limite de gerações.

A única exceção foi o professor Paolo Bonetti, igualmente constitucionalista, da Universidade Bicocca, de Milão, que encerrou o congresso. Em seu discurso, Bonetti defendeu a importância da dupla cidadania, comparando qualquer tentativa de limitá-la ou extingui-la a uma afronta aos direitos humanos. O professor destacou o papel crucial da imigração para a história e economia da Itália, além de apontar para o potencial do turismo de raiz como impulsionador da economia local.

Na linguagem futebolística, o “placar” foi 4x1. Convenhamos que não é surpresa nenhuma: em geral, os italianos nascidos na Itália não concordam com a lei de cidadania, que permite que os ítalo-brasileiros – descendentes longínquos de imigrantes italianos que saíram da Itália há mais de um século – possam buscar o reconhecimento da sua cidadania italiana.

Independentemente da maioria das opiniões apresentadas serem contrárias ao direito dos ítalo-descendentes, é louvável a iniciativa do seminário: o assunto é grande demais para ser ignorado e deve ser debatido, como forma de tentar encontrar uma solução para o problema da cidadania italiana.

Tomara que outras iniciativas como essa sejam realizadas e que nas próximas vezes se possa ouvir também pessoas/profissionais ligados aos descendentes de italianos que moram no Brasil, que certamente irão apresentar argumentos e interpretações bem diferentes àquelas expostas no dia 12/04/2024.

Mathias Iserhard Haesbaert é advogado ítalo-brasileiro, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (seção Rio Grande do Sul - nº 58.620) desde 2004, com larga experiência na área de cidadania italiana, onde atua exclusivamente desde 2011.

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