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De Santos a Trieste: a história das relações diplomáticas com o Brasil

A cidade portuária de Trieste é a capital da região de Friuli-Veneza Júlia, no nordeste da Itália, situada entre a costa do Mar Adriático e a fronteira com a Eslovênia.

di Zeno Saracino

Um grão de café conecta o Brasil sul-americano com Trieste da Europa Central: a negra bebida representa, desde o século XIX até hoje, a conexão entre os dois países. Econômico, antes de tudo: a Itália é o terceiro maior importador de café do Brasil e Trieste é um dos principais portos por onde ainda transitam as sacas, direcionadas às grandes empresas do setor. Mas sem descuidar do vínculo político e cultural, com raízes que inervam aquele império austro-húngaro que olhava com interesse para a América do Sul oitocentista.

De fato, o Brasil optou por se separar de Portugal em 1821, primeiro elegendo uma monarquia constitucional gerida pelo príncipe português Pedro até 1889 e, posteriormente, escolhendo a forma republicana (os chamados "Estados Unidos do Brasil"; oficializados em 24 de fevereiro de 1891). O monarca destronado Pedro II escolheu Trieste como local de desembarque na Europa; e nos mesmos anos um depósito permanente do Istituto Brasileiro do Café ficava na cidade-porto.

O primeiro cônsul geral foi, já em 1821, Joachino Pereira Vianna de Lima que tinha seu escritório no Corsia Stadion 1702, hoje via Cesare Battisti. Seguindo os tratados de 1826 com os estados sul-americanos, o primeiro triestino a enviar um navio ao Brasil foi Aron Parente; Giulio Caprin nos fornece um testemunho pitoresco:

"Quando as tripulações dos navios, que estavam na Califórnia, fugiram para ir em busca de ouro, a tripulação de sua barca (ou seja, uma escuna n.d.t.) Aron foi a única que permaneceu no local, oferecendo um raríssimo exemplo daquela disciplina que ele como armador conseguia, tratando generosamente seus capitães e marinheiros”.

Na segunda metade do século XIX, em conjunção com o crescimento das relações comerciais com Trieste, o novo cônsul José Sully de Souza transferiu seu escritório para a Piazza Giuseppina, hoje Piazza Venezia.

Em 20 de março de 1868, o cargo passou para o conhecido Barão Marco Morpurgo, então presidente do Lloyd austríaco (1878-1896). O cônsul hospedou, em grande sigilo, o imperador e imperatriz do Brasil, sob o falso nome de Conde e Condessa de Alcântara (1891). A notícia, no entanto, foi descoberta e transmitida ao chanceler italiano pelo consulado de mesmo nome, com ouvidos muito atentos a tudo o que acontecesse de inusitado em Trieste.

A proclamação da república marcou uma intensificação das relações; ainda mais que Trieste, passando Fiume, passu a representar a jurisdição de todo o império austro-húngaro. A maior parte da atividade do consulado era de carácter prático, relacionada com o tráfico de mercadorias e os trâmites aduaneiros.

Os anos entre as duas guerras mundiais viram uma substancial continuidade no trabalho do Consulado brasileiro, com a novidade de uma imigração italiana direcionada ao Brasil; uma contrapartida ao fluxo de entrada de mercadorias. O historiador Aldo Colleoni, por sua vez, cita uma bela passagem de Giorgio Tamaro:

"Nos dois navios de passageiros 'Neptunia' e 'Oceania' e em outros cargueiros, ocorreu um movimento considerável de entrada de mercadorias em Trieste, como celulose, papel e malte destinados aos mercados austríaco, tchecoslovaco, suíço e húngaro, equalizados na saída de um fluxo migratório significativo".

Entre os cônsules destaca-se a figura de Ivan Galvão; um brasileiro que adorava passear pelos brechós de Trieste em busca de peças de arte. Ele foi o último cônsul; em 1942, o escritório foi de fato fechado devido ao rompimento das relações diplomáticas entre a Itália e os países sul-americanos.

A reabertura do Consulado de Veneza após a Segunda Guerra Mundial foi acompanhada, em 2 de janeiro de 1960, pelo de Trieste, na via Campo Marzio 4. Estes são os anos dourados do tráfico de café Juliano, onde se estabelece o gigante de Trieste que foi Primo Rovis. Nesta ocasião, Trieste iniciou uma geminação com a cidade brasileira de Santos; que dá nome ao espaço aberto em frente ao Antigo Porto Livre, próximo à rodoviária (1982). Naqueles anos, Trieste voltou a se interessar pelo Brasil também em nível cultural, especialmente na ópera; um interesse que sobreviveu até hoje, ao contrário do Consulado que foi fechado em 1974. 

Fontes: Aldo Colleoni, Il ruolo geopolitico dei consoli a Trieste dal 1732 al 2006, Trieste, Italo Svevo, Università di Trieste, 2006;

Trieste e il porto. Una storia per immagini, volume 2, 1938-2007, La biblioteca del Piccolo, Trieste, 2007.

Fonte: Triste News, Da Santos a Trieste: la storia delle relazioni diplomatiche con il Brasile, di Zeno Saracino - Leia aqui a matéria em italiano