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O orgulho pela comida italiana de Santa Felicidade*

Tema este controverso em todos os locais do mundo, menos pelo lado dos italianos na própria Itália, onde existem diferenças de região para região, principalmente entre o Norte e o Sul, mas mesmo assim os preconceitos e os orgulhos feridos existem e afloram em qualquer reunião gastronômica.

No Sul da Itália, predominantemente, os frutos do mar são marcantes na mesa dos moradores da ponta da bota, as massas e queijos, na região Norte, onde o clima e a  posição geográfica favorece mais a este tipo de alimento.

A cozinha italiana no resto do mundo sofreu mutações devido a clima, produtos regionais, tipos de imigração e cultura em geral, sofrendo adaptações normais de regiões onde os “oriundi” se afixaram e espalharam o bom gosto pela alimentação saborosa e muito cuidada.

Já tivemos entreveros há anos atrás com o Sr. Guido Borgomanero, que falou sobre nossa comida e nosso vinho de forma depreciativa, mas teve resposta imediata, que o alertou para não intervir em área que não conhece, e que somos nós os imigrantes.

Nossos nonnos e nonnas aqui chegaram, vindos de regiões inóspitas e de extrema pobreza no Norte da Itália, mais precisamente da região do Vêneto, fugindo de situação adversa à vida, procurando salvaguardar seus filhos e sua própria sobrevivência.

Chegaram aqui, como outros milhões em todos os países das Américas, com a esperança de criar seus filhos, progredir na vida e ter uma melhor condição de sobrevivência, trazendo como sua maior riqueza, seu trabalho e sua cultura milenar.

Como disse Borgomanero, com uma mala de papelão, com uma muda de roupa, nenhum livro, a grande maioria nunca frequentou um banco de escola, suas crianças, em grande número, também analfabetas, na verdade vindos das regiões alagadas e infestadas de doenças, fugindo não de seu país, mas tentando sobreviver em outro lugar, e talvez voltar em melhores condições.

Seria cômico exigir desses milhões de famintos, o conhecimento da maravilhosa cozinha italiana. Cozinhavam e comiam o que tinha na hora, sem se preocupar com qualidade, e sim com quantidade, a fim de sobreviver, algumas mulheres trabalhavam na cozinha dos donos de terras e feudos, e aprendiam alguma coisa mais sofisticada, o resto sobrevivia.

Nossos nonnos aqui chegando depararam com uma fauna e flora exuberante, e como disse Pero Vaz de Caminha, aqui se plantando tudo dá. E foi isso que fizeram, iniciando suas roças e suas criações de porcos e galinhas, modificando seu hábito alimentar com a introdução de alimentos aqui da terra, aliados aos que já conheciam na sua amada Itália.

E começa a partir desse ponto a verdadeira comida dos italianos de Santa Felicidade e do resto dos imigrantes, onde quer que estejam. No início, era menestra, radiche, pão, e às vezes um frango assado, carne de leitão, e a polenta que já sofrera modificações pois passou a ser feita com fubá branco, do moinho  que existia na Cascatinha de propriedade da família de Nicola Boscardin, e que hoje é marca na nossa comida.

Os tempos começam a melhorar e a vida fica um pouco mais fácil, tudo a custa de muito trabalho e sacrifício, e as nonnas, com maior variedade de produtos, iniciam a  alquimia da cozinha dos italianos de Santa Felicidade.

 No Armazém do Beppi Tullio, onde hoje é o Restaurante Casa dos Arcos, a nonna Oliva fazia risoto, este preparado após o cozimento de uma galinha velha, gorda,  inteira, limpa, em uma panela com água e todos os temperos, retirando-a após horas, utilizando o brodo (molho) para após adicionar o arroz e todos os outros ingredientes, a seguir, a galinha desossada transformava-se em uma salada fria, que ela dizia chamar-se galinha lessa,    frango recheado no forno ou na panela, que se tornou famoso, acompanhado de polenta branca,  e vinho que o proprietário fazia, e que era considerado o melhor da Colônia.

 O Interventor Manoel Ribas e seu secretariado vinham freqüentemente jantar na Casa da Nonna Oliva, iniciando-se assim o  que hoje transformou-se no maior ponto gastronômico da América do Sul,  com sua típica e original Comida da Colônia.

A partir dos anos 60 e com outros estabelecimentos se instalando, tais como o Restaurante Colonial, o primeiro da Colônia, de propriedade da família Toaldo, onde tinha sua  administradora Dona Júlia Toaldo, que hoje mereceria  uma estátua, por seu arrojo e competência, iniciando o ciclo dos nossos restaurantes, e a seguir, Velho Madalosso, a Cantina do Toni,  Cascatinha, Trastevere,  Florença, Iguaçu, Restaurante do Jacó, e muitos  outros.

 Adotaram a polenta frita, o frango a passarinho, o risoto, frango no molho, miúdos fritos com temperos verdes, moela e fígado, leitão assado, saladas, e em certos lugares, lingüiça assada no forno, acompanhado com o vinho da Colônia.

Nossos vinhos fabricados pelas famílias Luca, Valle, Strapasson, Dallarmi, Túlio, em maior quantidade é que se faziam presentes nas mesas de nossos restaurantes, e o da família Zen, na Lamenha Pequena era conhecido além de nossas fronteiras, sendo servido também no centro da cidade, muito apreciado o famoso vinho rosado, com o registro da Colônia.

A partir daí, através do sucesso da Nossa Comida Italiana, começaram os ataque, e tentando diminuir o que já era sucesso, espalhando-se aos quatro ventos que “aquilo ali” não era comida italiana.

Graças a Deus que não é Comida Italiana. Pois se realmente fosse, não teria obtido esse sucesso que se confirma até hoje, com milhares de pessoas, vindo de todo o Brasil e turistas internacionais, elogiar o sabor da nossa alquimia.

Adaptamos tudo o que temos aqui, com um pouco do conhecimento das Nonnas, transformamos com sabedoria para o paladar latino, de país tropical, aos temperos e criações da velha Itália, e ninguém  tem o direito de questionar o que é sucesso, pois a voz do povo  é a voz de Deus, em se tratando de comida e bebida, de Baco.

Quem quiser provar a original Cozinha Italiana, pode vir sem medo para Santa Felicidade, que também a encontrará em restaurantes específicos, onde através de netos das Nonnas italianas, já em melhor condição financeira, foram à Itália para trazer conhecimentos, temperos e produtos, originários da região, e apresentar com a mais perfeita competência o que podemos encontrar em Milão.

Vamos mais uma vez levantar nossa bandeira, e espalhar a todos os cantos do mundo, que aqui na Colônia temos a Comida Italiana de Santa Felicidade, que tem pouco a ver com a comida italiana, e graças a Deus aproveitamos, a criatividade ou talvez a necessidade, para nos transformar em referência gastronômica no Brasil.

Sim, nós temos polenta branca com frango, somos diferentes, Graças a Deus.

Receita de Polenta Branca

Ingredientes:

5 litros de água

1 kg de fubá branco

1 colher de sopa de sal (ou a gosto)

Modo de preparar:

Coloque a água em uma panela grande, até ferver, fogo alto, coloque o sal,  diminua o fogo para baixo,  com um espargidor ou batedor de preferência, os de arame,  vá colocando o fubá em punhados, batendo sem parar, para não embolar, até completar  todo o pacote. A seguir com uma mescola, um pá de madeira, continuar mexendo por mais 1 hora, ou até atingir a consistência desejada. Em uma hora ela está pronta para ser servida com molho de frango ou codorna. Um pouco mais de uma hora, para ficar mais consistente, após esfriar, cortá-la em pedaços, colocá-la no freeezer, depois de congelada, fritar. Servir polenta frita com queijo ralado.

Esta é a maneira que minha Nonna fazia, e que fazemos até hoje.  Existem muitas outras maneiras de fazer polenta em cada região, e esta é apenas uma delas. Experimente, com molho de carne ou costeleta de porco na grelha, acompanhado de um copo de vinho tinto seco. Bom Apetite.

*Por Sérgio Caporasso - Jornalista - Santa Felicidade - Curitiba (PR)