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Significados e ressignificados da visita de Prodi: alento para os descendentes

Embora sejam relevantes, a visita do presidente do Conselho de Ministros da Itália ao Brasil, nesta semana, encerra significados impossíveis de dimensionar somente a partir dos resultados concretos. A começar pelo seu valor simbólico e até por inesperadas verbalizações de opiniões carregadas de sentimentos, especialmente por parte de Romano Prodi que, para além de questões ideológicas, é preciso ser reconhecido como um dos homens públicos mais importantes da Europa.

Assim, apesar de não contar em sua comitiva com as presenças da ministra do Comércio Internacional, Emma Bonino e do ministro do Exterior, Massimo D’Alema, ao pisar em solo brasileiro na segunda-feira (26), Romano Prodi estava dando consecução, menos de um ano após ter tomado posse, a uma das propostas mais decantadas do seu programa de Governo no aspecto das relações multilaterais: prioridade para a América Latina. Mesmo que a viagem não tenha recebido, a exemplo das realizadas para a China e para a Índia (que mereceram até logomarca), uma maior atenção na sua divulgação oficial. Mas isso perde um pouco a importância diante de uma declaração como a feita por Prodi durante palestra na Fundação Getúlio Vargas:

- Ogni volta che penso all’America Latina il mio cuore palpita. Ma spesso, in passato, ai sussulti è seguita la delusione. Per uno slancio annunciato, ma mai realizzatosi pienamente.

Na verdade, fugindo um pouco da pauta do intercâmbio comercial, principal objetivo da visita, cabe destacar que Romano Prodi, ao contrário de manifestações surgidas na imprensa  italiana, revelou sensibilidade em um dos pontos mais nevrálgicos da relação Brasil-Itália: a questão da imigração. Em visita à Câmara dos Deputados, o premier italiano foi claro:

-Brasil e Itália têm relações profundas relativas à cidadania e à etnia, mas freqüentemente deixamos isso como lembrança do passado. O significado que quero dar a essa visita ao Parlamento Brasileiro é a necessidade de se aumentar o intercâmbio cultural, econômico e acadêmico.

Na declaração conjunta dos dois chefes de Estado também foi salientada a importância dos vínculos humanos entre Brasil e Itália, ilustrados pelos milhões de cidadãos brasileiros de origem italiana.

Para uma comunidade de mais de 30 milhões de descendentes, cuja importância nas mais diferentes dimensões ainda é relegada e pouco mensurada na Itália, as palavras de Prodi no mínimo servem como um alento, um sinal de que, ao menos, possam ser um pouco mais respeitados. A expectativa, agora, é até que ponto as palavras sensíveis vão reverter em ações que ao menos não prejudiquem mais a situação dos descendentes, especialmente daqueles que buscam o direito à cidadania - caso, por exemplo, da nova norma que rege o permesso di soggiorno.

Aliás, um dos principais aspectos a serem destacados foi a sinceridade de Romano Prodi – acompanhada também pelo presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva. Ao contrário das versões ufanistas de órgãos governamentais dos dois países, ambos foram realistas: o comércio bilateral está muito aquém das potencialidades. Os dados são indesmentíveis: há anos vem caindo a participação e a importância da Itália no contexto das importações e das exportações brasileiras. Essa admissão é o melhor dos começos, pois revela humildade, reconhecimento da situação e disposição para mudar o quadro.

Desempenhando com competência o papel atribuído aos chefes de Estado em uma economia globalizada, talvez inclusive para desespero dos esquerdistas radicais, Prodi deu peso à sua visita ao anunciar, em São Paulo, investimentos de quase US$ 500 milhões na construção de quatro fábricas de biodiesel. Tão relevante quanto esse gesto concreto, foi a sua declaração de que os países mais ricos precisam recuar para que as negociações da Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio sejam destravadas. Isso para os interesses do Brasil soa como música. Prodi revelou-se um aliado que precisa ser cultivado. (Confira a cobertura completa da visita de Romano Prodi na seção Notícias)

Não menos importantes, mas já previamente acertadas e esperadas, foram as iniciativas como o protocolo de entendimento que criou o Programa  Ítalo-brasileiro de Cooperação Triangular, através do qual os dois países pretendem investir recursos em países do terceiro mundo, inclusive para a produção de biocombustíveis. Ainda na área da energia, confirmou-se o entendimento entre a empresa estatal italiana Eni e a Petrobrás, para o desenvolvimento conjunto de novas tecnologias na produção de biocombustíveis.

Ao sacramentar um  acordo de US$ 100 milhões, que estabelece linhas de financiamentos para facilitar as exportações e exportações das pequenas e médias empresas, com a participação do Banco do Brasil e do Serviço italiano de Apoio à criação de Empresas e Empregos- Sace, o presidente do Conselho de Ministros da Itália revelou a profundidade com que pretende efetivamente relançar as trocas comerciais entre os dos países.

Outra notícia alvissareira foi a divulgação da existência de um consórcio integrado por uma empresa italiana e três brasileiras para a construção de uma linha de trens de alta velocidade entre o Rio de Janeiro e São Paulo. O diretor da Associação Industrial Italiana, embaixador Vicenzo Petrone, conselheiro diplomático do governo italiano, afirmou que as negociações estão bastante avançadas e antes do fim do ano o processo licitatório poderá ser efetivado.

Enfim, as bases de uma nova relação entre o Brasil e a Itália foram lançadas. Cabe, agora, aos dirigentes políticos, empresários, e a própria comunidade ítalo-brasileira, não se perder no rumo já traçado. Pois sempre há o risco de se passar uma borracha sobre tudo o que está sendo feito, eliminando-se das memórias lembranças e intenções. Como foi feito com o processo da emigração nos currículos básicos da escola italiana.