Fiergs: Que Brasil queremos?
Em texto publicado no seu último informe econômico, a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul, analisa o contexto econômico brasileiro destacando as circunstâncias que permearam as iniciativas - ou a falta delas - do Governo Federal que, em última análise, não sinalizam para o equacionamento de questões fundamentais que refletem diretamente no cotidiano da população, apresentando igualmente ações que deveriam ser encaradas como prioridade. Veja o texto, na íntegra:
O País vira as costas para o seu principal problema, o ajuste fiscal, e a política econômica não é capaz de resolver as questões estruturais. As eleições do ano que vem são uma oportunidade de definir, afinal, que país queremos.
O encerramento do ano fiscal de 2005 deverá expor um lado perverso da economia brasileira; a arrecadação de impostos cresce a uma taxa mais alta que o PIB e, ainda assim, nem sinal de redução da carga tributária. De janeiro a outubro deste ano, a arrecadação de impostos federais aumentou em 16% sobre o mesmo período do ano passado, o que representa R$ 54 bilhões a mais para os cofres da União (o equivalente a R$ 300 por pessoa). Por outro lado, a projeção de crescimento da economia para 2005 é de apenas 2,8%. A se confirmar essa previsão, ocorrerá aumento da carga tributária sobre o PIB no ano de 2005.
A incapacidade do setor público de não conseguir transformar esse aumento da arrecadação em benefício econômico com a redução da dívida pública, acaba por se materializar em juros elevados, por mais paradoxal que possa parecer. Tal como um grande devedor, que não consegue poupar uma parcela de seu salário para fazer frente ao vencimento dos juros de sua dívida, o governo vai, aos poucos, construindo uma armadilha perigosa para a economia.
Nos primeiros nove meses do ano, todo o setor público no Brasil (governo central, estados, municípios e empresas estatais), gerou uma poupança no valor de R$ 86 bilhões. Para o mesmo período, como resultado de um aperto monetário por parte do Banco Central, o vencimento de juros da dívida somou R$ 120 bilhões. Nota-se, então, que o setor público no Brasil não tem conseguido poupar o suficiente para pagar os juros que vencem de sua dívida.
Como resultado, a dívida cresce, deteriorando ainda mais o cenário futuro, e o sacrifício implementado em termos de redução do investimento em infra-estrutura para gerar superávit primário, não surte o efeito desejado, o que alimenta as críticas à política econômica. Ou seja, o Brasil é o cavalo que corre atrás da cenoura que está colocada na frente de seu focinho sem, no entanto, alcançá-la.
Em algum momento ou dá-se conta de que não será possível chegar na cenoura e para-se de correr atrás, ou, então, esgotaremos todas as energias nessa empreitada e, sem o alimento, sucumbiremos.
É importante deixar claro que a política econômica não será capaz de resolver todos os problemas estruturais do país. A política econômica não tem vida própria, e deve ser vista apenas como um complemento de um conjunto de ações que, se realmente adotadas, desarmarão essa armadilha e celebrará o casamento da estabilidade com o crescimento econômico.
Vale ressaltar que essas ações passam, necessariamente, pelo ajuste das contas públicas. Em português claro, o setor público deve gastar melhor e menos, e deve ser mais pró-ativo, aprovando uma reforma previdenciária que estanque a evolução do déficit do INSS, que tem sido um consumidor voraz de recursos públicos.
Também deve ser aprovada uma legislação mais flexível em relação às vinculações de impostos, hoje cerca de 80% da despesa do governo são obrigatórias, o que reduz a margem de manobra na alocação de recursos no orçamento. Além disso, deve ser aprovada uma reforma mais ampla do sistema de previdência dos servidores públicos, nas três esferas de governo, e que sinalize para o equilíbrio nos próximos anos.
E, para complementar, uma projeção de redução paulatina da carga tributária para patamares condizentes com os observados nos países que apresentam estrutura produtiva próxima à brasileira (não superior a 25%) e que, portanto, são nossos concorrentes diretos.
O maior problema da solução da equação que hoje o país enfrenta é que ela depende, em grande medida, de soluções fiscais de pouca receptividade por parte dos políticos, uma vez que são impopulares. E, como sabemos, esse é o principal ativo de um partido ou político. Talvez essa impopularidade seja decorrente, na verdade, da incompreensão da população.
O que falta hoje nesse diagnóstico econômico é dizer onde iremos chegar se não resolvermos o problema fiscal. Partindo da hipótese que o setor público (união, estados e municípios) vire as costas para esse problema, há três possíveis Brasis em um futuro próximo. O primeiro é o da volta da hiperinflação. Cansado de correr atrás da cenoura, o governo resolve não mais pagar juros elevados para refinanciar sua dívida interna e corta o superávit fiscal. Resultado, aumento da base monetária e, tal como na equação de oferta e demanda, o excesso de dinheiro na economia irá reduzir o seu preço. Ou seja, o dinheiro valerá menos, e assistiremos a uma escalada de preços (esse filme é conhecido do Brasil durante a década de 1980).
O segundo Brasil é o do aumento da carga tributária. Já que não corta gastos, como atingir o equilíbrio fiscal sem comprometer o superávit primário? Elevando receitas. Porém, essa estratégia já foi utilizada nos últimos oito anos, e esgotou. Por fim, temos o Brasil do calote da dívida interna. Devo, não nego, pago quando puder. Cansado de correr atrás da cenoura, simplesmente paramos (já teve um presidente que fez isso e o país ainda não esqueceu). Não tem almoço de graça. O próximo ano é de eleições, e esse processo será decisivo para a escolha de que país, afinal, queremos.
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