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Hospedaria dos imigrantes: um livro em debate

O Centro de Documentação e Memória (Cedem) da Universidade do Estado de São Paulo - Unesp, promoveu, nesta quinta-feira (27), o lançamento do livro Hospedaria de Imigrantes de São Paulo. A obra, de autoria de Odair da Cruz Paiva, docente do câmpus de Marília, e Soraya Moura, integra a Coleção São Paulo no Bolso, da Editora Paz e Terra. Na ocasião haverá um debate com os autores.  (leia abaixo um texto do autor)

Inaugurada em 1888, no bairro do Brás, a Hospedaria de Imigrantes foi o primeiro endereço para grande parte dos viajantes que vieram para São Paulo. “Representou muito mais do que um lugar de hospedagem provisória para imigrantes e trabalhadores nacionais que chegaram em busca de melhores condições de vida”, diz Paiva.

Suas atividades foram encerradas em 1978 e hoje, no antigo edifício da Hospedaria, transformado em Memorial do Imigrante, existem os registros das pessoas que passaram por lá. Para o docente, o local ajuda a compreender a história de São Paulo.

Debate - Além das falas de Odair da Cruz Paiva, e de Soraya Moura, pesquisadora e coordenadora de Projetos do Memorial do Imigrante, estarão presentes como debatedoras Célia Sakurai, do Núcleo de Estudos de População da Unicamp, e Maria Cecilia Martinez, pesquisadora do Centro Universitário Unifieo. A mediação é de Paulo Cunha, docente da Unesp de Marília.

Informações:
Debate Cedem;
Data e horário: 27 de novembro (quinta-feira) às 18h30;
Local: Cedem - Centro de Documentação e Memória: Praça da Sé, 108 - 1º andar (metrô Sé, esquina c/ a rua Benjamin Constant);
Tel.: 11- 3105 - 9903
Inscrições: ssantos@cedem.unesp.br

Hospedaria de Imigrantes

Refletir sobre a história da Hospedaria de Imigrantes leva-nos a muitos caminhos e esses nos levam a muitas histórias. No imponente conjunto de edifícios que compõem as instalações da antiga Hospedaria, entrecruzaram-se sonhos, anseios, angústias e expectativas; nos seus pátios, dormitórios, refeitórios, na sala de registros ou na estação, muitas gerações de imigrantes e migrantes devem ter pensado sobre suas vidas, seu passado e seu futuro. Em sua maioria, não sabiam que estavam escrevendo, anonimamente, uma grande história, a história da imigração para São Paulo.

 A criação de uma estrutura para recepção, hospedagem e encaminhamento de trabalhadores estrangeiros na cidade de São Paulo, durante o século XIX, esteve relacionada ao fluxo migratório verificado no transcurso daquele período. Pode-se afirmar que, até meados do século XIX, a permanência da escravidão como regime de trabalho predominante nas fazendas de café, que naquela época concentravam-se na região do Vale do Paraíba, e mesmo o desenvolvimento incipiente dessa cultura, fizeram que a imigração fosse pensada muito mais na perspectiva da colonização do que  na inserção dos imigrantes como força de trabalho para a Agricultura.

Os números que registram a entrada de estrangeiros em São Paulo foram bastante diminutos se comparados com aqueles do final do século XIX e primeiras décadas do século XX. Entre 1827 e 1886, entraram somente 53.517 estrangeiros em São Paulo. Como conseqüência, os serviços de hospedagem foram marcados pela precariedade, seja por conta da ausência de um número significativo de imigrantes, seja pela falta de interesses políticos e econômicos que viabilizassem a montagem de uma estrutura adequada.

Dessa forma, a hospedagem de imigrantes em São Paulo, até o final do século XIX, tornou-se um problema cujo debate nem sempre resultou em ações efetivas para sua solução. Segundo Di Francesco (Nelson Di Francesco, A hospedagem dos imigrantes na imperial cidade de São Paulo, um resgate documental, cronológico dos primeiros tempos 1827-1888. São Paulo,1999.Mimeo), em dezembro de 1827 chega à Capital, oriundo de regiões que hoje compõem a atual Alemanha, particularmente da Baviera, um grupo de 226 pessoas destinadas à colonização de terras. Foram hospedadas no Hospital Militar, localizado na região central da cidade, próximo ao Rio Anhangabaú, no local onde é atualmente a Praça do Correio (Praça Pedro Lessa).

A hospedagem desses imigrantes no Hospital Militar não só revelava a inexistência de um lugar mais apropriado para sua recepção como, também, era expressão das dificuldades em transpor a serra para se chegar ao planalto. Subir a Serra do Mar a pé nunca foi tarefa fácil, ainda mais depois de uma longa viagem por mar, da Europa ao Brasil. Na chegada a São Paulo, muitos imigrantes tinham de receber tratamento médico, fosse por debilidade física provocada pelo cansaço ou mesmo por estarem com doenças comuns na época, como cólera, tifo, varíola, difeteria ou malária.

Entre os anos de 1830 e 1860, os imigrantes que desembarcavam no porto de Santos com destino À Capital e cidades do interior passaram a ser alojados em abrigos na própria cidade de Santos. Novamente a ausência de uma estrutura adequada de recepção transformou o Arsenal da Marinha, naquela cidade, em hospedaria para muitos grupos de imigrantes que chegaram ao Estado naquele período.

As dificuldades de transporte até o planalto persistiam e, após a experiência do grupo de alemães, passou-se a se alojar os imigrantes na cidade de Santos, com posterior saída com destino definitivo.

A partir da década de 1860, a proibição do tráfico negreiro para o Brasil, imposto pela Inglaterra em 1850, começou a produzir alguns desdobramentos. A campanha abolicionista intensificou-se, principalmente após 1868, resultando por exemplo, na edição da Lei do Ventre Livre (1872). Com essa lei, todos os filhos de escravos passaram a ser considerados livres. Outro desdobramento, foi a mudança de perspectiva com relação à imigração. Essa passa ser pensada não apenas como colonização, mas, principalmente, como mudança do perfil da força de trabalho. Este contexto histórico ficou conhecido como o da mudança do trabalho escravo para o trabalho livre. Em conseqüência, podemos observar um aumento significativo do fluxo imigratório naquele período, mais particularmente a partir da década de 1880.

É importante ressaltar que no ano do início do funcionamento da Hospedaria do Brás (1888), entraram em São Paulo 92.086 imigrantes, quase duas vezes o número de imigrantes chegados ao Estado de São Paulo no período de 1827 a 1886, que foi de 53.517.

Paralelamente a este processo, o término da construção da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, em 1867, demonstrava o aumento da importância do café na economia da então Província de São Paulo. A necessidade da criação de um meio de transporte mais eficiente para o escoamento da produção cafeeira pelo porto de Santos era imperativa. Se a ferrovia servia para o transporte do café, igualmente contribuiu para facilitar o transporte dos imigrantes até o planalto. Isso fez da cidade de São Paulo um lugar privilegiado para a hospedagem de imigrantes. A cidade de Santos perdia assim este seu papel.

Na cidade de São Paulo, a Estação da Luz, no bairro de mesmo nome, foi o destino dos imigrantes embarcados em trens em Santos.

Havia dois locais, dentre outros prováveis, nos quais os imigrantes eram alojados. Um deles era o AREAL. Informações esparsas dão conta que provavelmente se referia a um rancho às margens do rio Tamanduateí, nas imediações da atual Avenida do Estado e d Rua São Caetano. Outro local era a MANÇON D’OURO, talvez uma pensão ou hospedaria particular, das muitas existentes no bairro da Luz, e cujo nome foi inspirado em Maison d’Or, aportuguesado para Mansão d’Ouro.

A primeira hospedaria criada pelo Governo Estadual foi instalada em dezembro de 1878, na casa onde funcionou a sede do então Núcleo Colonial de Sant’Ana, fundado em 1877, em área que atualmente faz parte do bairro de Santana, Zona Norte da Capital. Denominada Hospedaria de Sant’Ana, foi desativada em junho de 1880 e o prédio foi demolido em 1915. A hospedaria, de dimensões pequenas, era constituída de uma casa de dois pavimentos, em construção de taipa, com vários compartimentos e uma pequena cozinha.

A Hospedaria de Sant’Ana foi a primeira tentativa de sistematizar e racionalizar os serviços de recepção, hospedagem e encaminhamento dos imigrantes que para cá afluíam. Entretanto, sua efêmera existência demonstrou que as crescentes necessidades de mão-de-obra para a cafeicultura demandavam uma estrutura melhor equipada. Em 1881,a Lei nº 36, de 21 de fevereiro, autorizava o Governo da Província a construir um novo estabelecimento para os imigrantes. Surgia a segunda Hospedaria de Imigrantes na cidade, a Hospedaria do Bom Retiro; sua construção foi concluída em 1882.

Com capacidade para quinhentos imigrantes, as instalações da Hospedaria do Bom Retiro foram erigidas sob os auspícios do Governo Provincial. Situava-se na antiga rua dos Imigrantes, hoje rua Areal (continuação da Rua José Paulino) com a Rua Tenente Pena e Rua Mamoré. O prédio não existe mais e, em seu lugar, há uma Casa de Saúde. Provavelmente ela foi construída próxima do AREAL, a que se fez menção anteriormente como um dos lugares de alojamento dos imigrantes, por volta de 1870.

Em comunicação dirigida à Assembléia Legislativa Provincial, em 10 de janeiro de 1885, o diretor da Diretoria Geral de Obras Públicas relatava que o prédio da hospedaria “... Não comporta mais que 230 camas que estão armadas, e quando o número de immigrantes excede ao das camas, como já tem acontecido, torna-se necessário estender colchões no salão do refeitório e também agasalhal-os na olaria próxima”.

Na Hospedaria do Bom Retiro produziram-se os primeiros livros de registro de imigrantes, importante fonte de referência para o resgate da história de muitos dos que aqui chegaram. Entretanto, tal qual a Hospedaria de Sant’Ana, a do Bom Retiro rapidamente tornou-se obsoleta. Novamente, a necessidade da construção de uma nova Hospedaria tornava-se indispensável. Em 1885. a Lei nº 56, de 21 de março dispunha em seu artigo 1º: “ Fica o governo autorisado a construir um prédio para a hospedaria de immigrantes com acomodação para a secretaria e pessoal da administração nas proximidades das linhas ferreas do Norte e Ingleza, podendo despender na acquisição do terreno e edificação, até a quantia de cem contos de réis “.

Em junho de 1886, no Governo de Antonio de Queiroz Telles, na época Barão de Parnaíba, iniciaram-se as obras de construção da Hospedaria de Imigrantes do Brás. Em julho de 1887, um surto de varíola e difteria, ocorrido na Hospedaria do Bom Retiro, fez com que as dependências do Brás, mesmo inacabadas, recebessem o primeiro grupo de imigrantes. As obras só foram concluídas em 1888 e a administração da Hospedaria, em seus primeiros dez anos, esteve a cargo da Sociedade Promotora de Imigração.

À frente da Sociedade Promotora estavam os interesses de grandes proprietários de fazendas de café do interior que, a seu tempo, tinham bastante influência junto ao governo provincial. Pode-se considerar que a construção da Hospedaria de Imigrantes do Brás solucionava o velho problema da hospedagem dos imigrantes na Capital. Em 1893 ocorreu um surto de cólera nas dependências da Hospedaria do Brás, obrigando o governo estadual a instalar a Hospedaria Provisória de São Bernardo do Campo (em área situada atualmente no município de Santo André), nos galpões pertencentes à Cia. Industrial de São Bernardo do Campo. Essa hospedaria encerrou suas atividades em 1896 e os galpões foram devolvidos à companhia proprietária.

 A Hospedaria de Imigrantes da Capital, também denominada Hospedaria do Brás ou simplesmente Hospedaria de Imigrantes, possuía uma estrutura bastante arrojada para a época, particularmente se considerarmos as suas antecessoras.

O prédio da Hospedaria foi pensado e equipado de forma a atender às necessidades de recepção e encaminhamento das levas de imigrantes que afluíam para São Paulo. Construída para atender, por um período de uma semana, a até 3.000 pessoas em suas dependência (lembrando que a Hospedaria do Bom Retiro atendia a no máximo 500 pessoas), não raro esse número foi excedido, abrigando até 8.000 imigrantes de uma só vez.

Ela contava com uma Agência Oficial de Colocação, dormitórios, refeitório, depósito de bagagens, um pequeno hospital, enfermaria e um setor de recepção, triagem e encaminhamento dos trabalhadores, quando de sua chegada. A estrutura da Hospedaria, hoje Memorial do Imigrante, sofreu algumas reformas, sendo as de 1936 e a da década de 1950, as mais significativas.

De pouco mais de três milhões de imigrantes que chegaram ao Estado de São Paulo até os anos de 1970, a maior parte deles veio no período entre 1886 e 1915.

Nesse período houve a preponderância de imigrantes provenientes da Europa e do Japão. Os reflexos do avanço do capitalismo nessas regiões, especialmente a modernização da agricultura, produziu, em países com a Itália e a Alemanha, recém-unificados ( alemã em 1870 e a italiana em 1871) e, em menor grau, na Suíça, Bélgica e países do norte europeu, a existência de uma mão-de-obra excedente que não foi absorvida pela industrialização em curso.

Processo análogo ocorreu no Japão, que foi obrigado a abrir seus portos ao comércio com o Ocidente em 1853. A partir de 1867, com a dinastia Meiji (1867-1912), viu-se na necessidade imperativa de modernizar-se para não ser transformado em mais uma colônia asiática das potências ocidentais. Para os governos dessas nações, era de fundamental importância o estímulo à emigração, em virtude da possibilidade de tensão social que os desempregados poderiam causar dentro de seus países.

Por um processo inverso, a ausência de dinamismo econômico de países com a Espanha e Portugal produzia igualmente um contexto no qual, a falta de perspectiva de melhoria na qualidade de vida levava muitos de seus habitantes a cruzarem o Atlântico para Fazer a América.

Os países que mais receberam esses imigrantes até a Primeira Guerra Mundial foram, por ordem, os Estados Unidos, Canadá, Argentina e Brasil.

A produção de um excedente de mão-de-obra na Europa e no Japão estava em consonância com as necessidades de recepção da mesma em alguns países d América. Nos casos específicos da Argentina (produção de carne e cereais) e do Brasil (café), cujas economias ainda se assentavam em bases agroexportadoras, a recepção dessa mão-de-obra era fundamental. A complementariedade entre as necessidades de expulsão e de absorção acabou por promover o maior processo de deslocamento populacional conhecido na história do Ocidente, processo que se estendeu durante boa parte do século XIX e se manteve até a década de 1920.

No Brasil, o governo paulista, atendendo aos interesses dos cafeicultores, concentrou muitos esforços na captação dessa mão-de-obra. A Hospedaria de Imigrantes foi o exemplo mais concreto.

Os subsídios à imigração, a propaganda no exterior, a manutenção dos serviços da Hospedaria de Imigrantes e a fundação de Núcleos Coloniais absorviam a maior parte da verba destinada à imigração. No caso do subsídios, o governo estadual pagava a passagem dos imigrantes que tivessem interesse em se estabelecer no Estado. Para tal, não apenas o governo estadual, mas também o governo federal, fez intensa propaganda da País na Europa.

A política imigratória este a cargo da Secretaria da Agricultura, o que incluía também a fundação de Núcleos Coloniais. Entre os anos de 1890 e 1910, a Secretaria esteve empenhada na criação de Núcleos em diversas áreas do Estado. Esta colonização apresentava-se como um instrumento importante na viabilização dos interesses do capital cafeicultor, uma vez que a pequena propriedade instalada nos núcleos de colonização, localizados em sua maior parte em regiões próximas de grandes áreas produtoras de café, serviria como reserva de mão-de-obra para o trabalho nas fazendas de café.

Os registros sobre as entradas de imigrantes no Estado de São Paulo não detalham, com raras exceções, as chegadas das diversas nacionalidades por períodos mais limitados (décadas, por exemplo). Os dados gerais, que abrangem por vezes trÊs, quatro ou mais décadas, mascaram a dinâmica dos fluxos migratórios de uma maneira geral e, também, a intensidade da entrada de determinada corrente imigratória. (Breve História da Hospedaria de Imigrantes e da Imigração para São Paulo/Pesquisa e texto: Odair da Cruz Paiva)