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Luchino Visconti: 100 anos

Há um século, nasceu Luchino Visconti, um dos maiores diretores de cinema da Itália, reconhecido internacionalmente. Há 30 anos, morreu Luchino Visconti, homem de teatro, intelectual, engajado politicamente, polêmico.

Por isso, os italianos estão preparando uma série de homenagens que terão seu ápice no dia dois de novembro, data em que veio ao mundo, em 1906. Em Roma, haverá uma retrospectiva completa de sua obra; em Milão, onde nasceu, estão programados concertos, encontros, e até um baile. Em setembro/outubro, ocorrerá uma mostra em Roma, embora em outras regiões e cidades também estejam programados eventos (confira no site http://www.luchinovisconti.net)

Luchino Visconti di Morone nasceu em 2 de Novembro de 1906 em Milão, «quando a cortina subiu no Scala», como ele próprio dizia. Filho de Giuseppe Visconti, duque de Modrone, e de Carla Erba, herdeira de uma fortuna feita na indústria química, sendo um dos sete filhos do casamento, que durou até 1924, teveo uma infância bastante privilegiada.

Durante sua juventude contatou com importantes intelectuais e artistas, como o maestro Toscanini, o compositor Puccini e o escritor D'Annunzio. Como é natural, interessou-se desde cedo pela música e pelo teatro, mas também pelos cavalos, que se tornaram uma paixão. Tendo feito o seu serviço militar em 1926 na arma de cavalaria, passou a criar cavalos puro-sangue destinados às corridas, logo após dar baixa do exército, de 1928 a 1936, não pensando em muito mais do que isso.

Quando este interesse começou a  esmorecer, e depois de ter realizado uma viagem à Alemanha, foi viver para Paris tornando-se amigo de Coco Chanel. A costureira apresentou-o ao realizador Jean Renoir com quem trabalhou brevemente no filme Une Partie de Campagne, realizado em 1936, experiência que fez com que se interessasse seriamente pelo cinema. Nesta época, em que a Frente Popular governou em França, Visconti, que tinha sido um apoiador do fascismo, aderiu ao comunismo.

Em 1937, Visconti passou por Hollywood antes de regressar a Roma. Já na Itália participou no filme de Renoir La Tosca, que terminou com o auxílio do assistente do realizador francês, devido ao regresso deste para a França, com o começo da Segunda Guerra Mundial. A partir de 1940,  ligou-se ao grupo do  jornal Cinema.

Para financiar o seu primeiro filme vendeu algumas jóias da família: Ossessione de 1942, uma adaptação não autorizada do livro de James M. Cain. O carteiro toca sempre duas vezes, teve dificuldades com a censura fascista, mas o resultado foi um enorme sucesso em Itála. No fim da Segunda Guerra Mundial, Visconti permitiu que seu palácio fosse utilizado como centro de comando secreto por membros da resistência comunista, e participou de ações armadas contra os ocupantes alemães. Estas atividades fizeram com que fosse preso pela Gestapo em 1944, durante um curto período de tempo. Vingou-se do tempo passado na prisão quando filmou a execução do chefe da policia política italiana Pietro Caruso, para o documentário realizado em 1945 - Giorni di gloria.

O partido comunista italiano encarregou-o de produzir uma série de três filmes sobre pescadores, mineiros, e camponeses da Sicília, mas só o La Terra Trema - Episodio del mare foi realizado, em 1948. Este filme, juntamente com Rocco e i suoi fratelli, de 1960, que documentam as dificuldades das classes trabalhadoras, foram censurados pelos sucessivos governos de direita que dirigiram a Itália no pós-guerra.

Mas, a partir dos anos sessenta, os filmes de Visconti tornaram-se mais pessoais. Talvez os seus trabalhos mais importantes sejam Il Gattopardo [O Leopardo], de 1963, e a Morte a Venezia [Morte em Veneza], de 1971. A adaptação exuberante do romance de Giuseppe di Lampedusa, saído em 1958, que retrata o declínio da aristocracia siciliana durante o Risorgimento, era um assunto que lhe estava próximo devido à história da sua família.

Não sendo o mais fácil dos diretores (a atriz Clara Calamai afirmou que era «um senhor medieval com chicote»), Visconti granjeou mesmo assim o respeito dos seus atores. Apesar de ser  conhecida a maneira como tratou Burt Lancaster durante a rodagem do Leopardo, este ator afirmou que Visconti era «o melhor diretor com quem trabalhei até agora ... um sonho para um ator".

Luchino Visconti encenou diversas peças de teatro, incluindo obras de Jean Cocteau e Tennessee Williams. Era tão famoso como diretor de ópera como o era como realizador de cinema, sendo reconhecido o seu trabalho com Maria Callas, que afirmou que fora Visconti que a ensinara a representar.

Abertamente bisexual, como o seu pai, os filmes de Visconti têm poucas personagens explicitamente homossexuais, embora haja freqüentemente nos seus filmes um erotismo encapotado de teor homossexual. Favoreceu sempre atores principais atraentes, tais como Alain Delon, e a sua  obsessão no fim da vida foi pelo ctor austríaco Helmut Berger, que dirigiu no filme La caduta degli dei  -A queda dos deuses (1969), Ludwig  (1972) e Grupo di famiglia in un interno (1974).

O seu hábito de fumar (até 120 cigarros por dia) provocou-lhe um ataque de coração, que lhe debilitou bastante a saúde, mas recuperou o suficiente para fazer L'Innocente antes de morrer em Roma em 1976. O funeral de Luchino Visconti teve a presença do presidente italiano Giovanni Leone e do ator Burt Lancaster.

Houve quem ridicularizasse o estilo de vida de Visconti - opulento é o mínimo que se pode dizer -, já que era reconhecidamente marxista. Salvador Dali afirmou sarcasticamente que o realizador «era um comunista que só gostava do luxo». Visconti explicou a um repórter americano em 1961, que «eu acredito na vida, isso é o essencial ... e acredito numa sociedade organizada. E penso que tem hipóteses».