Cidadania “fácil” a 171 brasileiros leva duas à prisão
Funcionária de cartório (Anagrafe) e dona de agência intermediária brasileira são detidas após investigação. O caso ocorreu na província de Como, norte da Itália, com apreensões de documentos nos municípios de Uggiate-Trevano, Rodero, Blevio e Cucciago. Acompanhe a seguir matéria publicada, nesta quarta-feira (31/07), no jornal italiano La Provincia di Como, assinada pelo jornalista Paolo Moretti.
Cidadania fácil, funcionária de cartório presa. Buscas em quatro municípios
Blitz em Uggiate. Uma intermediária na prisão: ajudou 171 brasileiros a se tornarem italianos. Apreensões também em Rodero, Blevio e Cucciago.
Se sair uma fiscalização... “Todos na cadeia!”. Faltam poucos dias para o Natal. A responsável pelo cartório do Município de Uggiate-Trevano (antes da fusão com Ronago), conversa com uma amiga. A conversa é captada pelas escutas colocadas pelos policiais do esquadrão móvel da Província de Como, que junto com a polícia local de Terre di Frontiera investigam há alguns meses uma rede de cidadanias italianas fáceis. Conversa, entre aquelas mulheres, que sete meses depois se tornou realidade.
Ontem pela manhã, os agentes da Delegacia de Polícia de Como executaram duas ordens de prisão: prisão domiciliar para Isabella Barelli, 52 anos, de Bizzarone, funcionária do cartório, prisão para sua amiga Cinthia Roberta Gonçalves, brasileira com casa em Morbio Inferiore, em Canton Ticino.
As acusações
A acusação para ambas é de falsificação de documentos e falsidade ideológica. Em menos de dois anos, através do reconhecimento de residências inexistentes, teriam conseguido a cidadania italiana para 171 brasileiros. Outras quatro pessoas estão sob investigação, nomeadamente os proprietários das casas onde este pequeno exército carioca alegadamente residia.
A investigação nasceu graças ao relato de outro funcionário da Comune de Uggiate. Que recorreu aos homens da polícia local Terre di Frontiera após ter notado, nos cartórios, a presença quase simultânea de mais de sessenta processos de reconhecimento da cidadania italiana para outros tantos brasileiros. Um número nunca visto antes e clamoroso, para uma realidade pequena como a de Uggiate. As investigações iniciais da polícia local, em efeito, permitem apurar diversas estranhezas. Como o fato de que todos aqueles brasileiros teriam dividido a mesma casa na via Mulini, em apenas três meses. Ou, ainda, que a cidadania chegava em tempo recorde.
O iure sanguinis
Neste ponto vale a pena esclarecer o processo. Todos os cidadãos brasileiros em questão têm ascendência italiana direta. Portanto, se residirem permanentemente na Itália têm direito à cidadania “iure sanguinis”, ou seja, por descendência. Eles também poderiam ter conseguido isso enquanto estavam no Brasil, mas com um prazo decididamente mais longo: até dez anos.
Segundo a promotoria, a Gonçalves, titular de uma agência de intermediação brasileira, teria trabalhado muito para obter o status rapidamente. Como? Organizando um pacote a pagamento (3.500 euros mais a viagem) para trazer à Itália cidadãos brasileiros com parentes tricolores, conceder a eles um certificado de residência fictício e, graças a isso, demonstrar o status inexistente de residência habitual e assim obter o registro no cartório.
Tudo graças à ajuda indispensável da escrivã do cartório de Uggiate.
Os agentes do esquadrão móvel descobriram, durante a investigação, que os pedidos - essenciais para o processo - de verificação da real residência foram preparados e protocolados, mas nunca encaminhados à polícia local; que as verificações de residência foram compiladas e assinadas diretamente por Isabella Barelli; que o processo era concluído em poucos dias.
Já em 2022, foi descoberto durante a investigação – coordenada pela promotora Antonia Pavan – que 36 brasileiros solicitantes de cidadania italiana haviam sido registrados como residentes na via Romazzana em Uggiate. Como o proprietário do imóvel havia decidido denunciar a suspeita de que estrangeiros desconhecidos tivessem criado uma residência fictícia em seu endereço, a responsável pelo cartório teve que correr aos abrigos, excluindo todos os 36 cidadãos cariocas daquela rua e cadastrando-os na rua da Solidariedade. Que, no entanto, é uma via fictícia estabelecida para permitir o cadastramento de moradores de rua. Resumindo: moradores de rua que se tornaram italianos porque demonstraram ter residência habitual em nosso País.
Ontem pela manhã a blitz. E a dupla prisão.
A polícia também realizou buscas e adquiriu documentos cadastrais em outros três municípios da província: em Rodero, Blevio e Cucciago.
Leia aqui a matéria em italiano
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