Fraude à brasileira: A máfia da cidadania repercute na Itália
A matéria, publicada pela revista italiana Panorama, neste final de semana (27/12), além de recapitular alguns dos principais episódios envolvendo falsos assessores da cidadania italiana na Itália, cita, entre outros, o grupo no Facebook Área Livre e um Youtuber, autor de e-book que trata sobre o tema, que segundo a matéria está sendo investigado na Itália.
A matéria é assinada por Stefano Piazza e Luciano Tirinnazi, dois jornalistas renomados, especialistas em reportagens investigativas, ligadas à máfia, ao extremismo islâmico e ao terrorismo.
Entre os entrevistados, o advogado ítalo-brasileiro Luiz Scarpelli, que atua no reconhecimento da cidadania italiana pela via judicial, em Roma, e um dos primeiros a denunciar a existência de uma máfia da cidadania italiana, no Brasil e na Itália. Também são entrevistados os prefeitos Camillo De Pellegrin, de Val di Zoldo (Belluno), e Eugenio Ferioli, de Ospedaletto Lodigiano (Lodi), dois Comuni que foram atingidos pela ação de falsificadores na Itália.
A revista semanal Panorama (gruppo La Verità Srl) , de circulação nacional na Itália, traz na capa, da edição impressa, neste final de semana (27/12), a manchete “La grande truffa dei brasiliani che diventano italiani”. A matéria é assinada pelos jornalistas Stefano Piazza e Luciano Tirinnazi, especialistas em assuntos ligados ao terrorismo, à máfia e ao extremismo islâmico, na Itália e no exterior.
Panorama, revista semanal, com circulação nacional, na Itália
Diz a matéria que, somente neste ano, foram mais de 70 mil os pedidos para a obtenção da cidadania italiana, por meio da lei que transmite a cidadania pela via ius sanguinis, sem limite de geração. Segundo os autores, "muitos 'escavam' na própria árvore genealógica, esperando descobrir parentes italianos emigrados na América do Sul. Porém, frequentemente, os parentes não existem, ou a linha é tão longa que os sonhos logo encalham e assume a saudade".
Acompanhe trechos da matéria, traduzidos para o português.
5.000 euro e si diventa italiani
"Mas há quem, a essa melancolia de esperança traída, hoje tenha encontrado um remédio muito eficaz e, sobretudo, lucrativo. Sim, porque, também quem não tem direito, com poucos milhares de euros, pode se tornar italiano em todos os aspectos. Em certos casos, basta menos de um mês. É o sonho que se realiza, em resumo. Pecado que seja completamente ilegal.
“De fato, dezenas de consultores falsos, através de uma organização ramificada entre Brasil e Itália, sem sede física, mas online muito ativa - conseguem garantir a cidadania italiana e transformar qualquer cidadão de fora da UE em um 'italiano doc', com documentos carimbados, simplesmente corrompendo funcionários públicos em nossas administrações locais.
“Uma fraude bem organizada que envolve centenas de pequenos e médios municípios italianos. A lista é muito longa: Padova, Verbania, Novara, Modena, Portici, Savona, Omegna, Roseto degli Abruzzi, Castello di Cisterna, Teramo, Augusta, Floridia, Crocetta del Montello, Maddaloni, são apenas as descobertas feitas em 2019. Panorama reconstruiu, agora, a história, enriquecendo-a de inéditos e inquietantes peculiaridades.
Luiz Scarpelli, advogado ítalo-brasileiro, o primeiro a denunciar a máfia da cidadania italiana na Itália
Il traffico è estimato in circa 250 milioni di euro
"Segundo o advogado ítalo-brasileiro Luiz Scarpelli, que foi o primeiro a denunciar a máfia da cidadania italiana no Brasil e que, agora, em Roma, defende as vítimas desses golpistas, as cifras são surpreendentes: 'De um total de mais de 50 mil pedidos pouco transparentes, de 2014 a 2019, 6 mil já foram anulados e mais de 34 mil estão sob investigação pela polícia e por procuradores. Ao menos 40 mil cidadãos brasileiros, com e, sobretudo, sem descendência italiana, aproveitaram esse sistema de corrupção administrativa, de faturamento superior a um bilhão e 250 milhões de reais (cerca de 250 milhões de euros, ndr)’.
A caccia di antenati (anche nei cimiteri)
“Dado que, segundo o ius sanguinis, a descendência é demonstrada por meio dos atos de estado civil (nascimento, matrimônio e morte), e como geralmente os requerentes da cidadania não falam uma palavra de italiano, os falsificadores se oferecem para acompanhá-los fisicamente às agências anagrafe do Comune de referência, munidos de uma documentação que ateste a descendência italiana e a residência no nosso País. Um serviço completo a preços módicos, em resumo. Pouco importa que os documentos sejam fraudados.
“A fim de obter os documentos necessários, os assessores 'habitualmente vão às paróquias', explica ao Panorama Camillo De Pellegrin, prefeito de Val di Zoldo (Belluno), um dos Comuni mais atingido pelos falsários 'onde tentam recuperar os dados dos antepassados italianos, verdadeiros ou presumidos, a maior parte dos quais é imigrada no Brasil no final do século XIX’.
“Somente no território bellunese, são dezenas de casos, nos quais a documentação resulta completamente falsificada: um envolveu até a diocese de Padova, onde adulteradores contaram com a conivência de um pároco que havia produzido um certificado de batismo falso, em troca de dinheiro.
“Nem mesmo os mortos são deixados em paz. Acrescenta De Pellegrin: 'Às vezes, entram nos cemitérios e buscam, entre as tumbas dos mortos de sobrenome correspondente, e depois reconstroem a documentação e uma história que possa ser sustentada sem o temor de ser desmentida. Eles vão também aos Arquivos de Estado a caça de antepassados, especialmente entre as Forças armadas italianas'.
“A desmascarar esse sistema foi a operação 'Super Santos' de março de 2019, quando a polícia de Estado destruiu uma associação criminosa, entre Verbania e Novara, que em apenas três dias havia transformado 800 brasileiros em cidadãos italianos, ao preço módico de 7 mil euros cada um e com uma máquina para falsificar os certificados. Segundo declarações da própria polícia, as empresas fazem isso por trás dos falsários 'são geridas à margem das leis por brasileiros, como fossem verdadeiras e próprias agências turísticas'.
Consulenti on line
“À assistência nas práticas para a liberação da cidadania, os assessores adicionam frequentemente pacotes 'tudo incluso' e, além disso, a alugar seus cômodos apartamentos da propriedade de terceiros ou mesmo em sublocações, propondo excursões no lago Maggiore e degustação de produtos locais para seduzir os potenciais adquirentes que de anos sonham a Europa das praias da Bahia ou do Rio de Janeiro.
“Já que com o passaporte italiano, não apenas é possível para os brasileiros alcançar destinos ainda mais populares, como o rico norte da Europa, mas desse modo conseguem mais facilmente entrar nos Estados Unidos e obter lá uma autorização de trabalho do tipo E@: ou seja, um visto de comércio para quem quer assumir uma empresa qual para um italiano servem cerca de 70 mil dólares, enquanto a um brasileiro custa dez vezes mais. Eis explicada a razão deste fenômeno de massa.
“Como funciona o sistema? Antes de tudo, os falsos assessores operam um monitoramento online dos possíveis 'clientes' aos próprios serviços, entrando em grupos de Facebook e chat de WhatsApp. Um dos mais influentes se chama Cidadania Italiana Área Livre e conta com cerca de 150 mil inscritos (quase todos os falsos assessores até agora presos na Itália operavam ali dentro).
“Os assessores conduzem os aspirantes italianos aos 'sites vitrina', onde se obtém vantagens que comportam ao obter o nosso passaporte: utilizar o nosso sistema sanitário nacional, a possibilidade de viajar, estudar e trabalhar na Europa com grande facilidade; poder entrar nos Estados Unidos de maneira mais fácil, como dito acima.“
ACESSE AQUI A MATÉRIA PUBLICADA PELA REVISTA PANORAMA
ACESSE AQUI O VÍDEO QUE TRATA SOBRE A MATÉRIA
Panorama é uma revista semanal italiana que trata de assuntos atuais, política, sociedade e economia. A publicação impressa semanal, produzida em Milão, é distribuída para toda a Itália.
Stefano Piazza é empresário do setor de segurança, jornalista e ensaísta, especialista e referência, na Itália e na Suíça, em temas ligados ao terrorismo, ao extremismo islâmico e à máfia. Autor do blog Confessioni elvetiche colabora, atualmente, com os seguintes veículos de comunicação: Il Corriere del Ticino, Libero Quotidiano, Panorama e Babilon Magazine. Preside a Associação dos Amigos da Força Policial Suíça e do Centro de Estudos Espaciais.
Luciano Tirinnazi é formado em Ciências Políticas e Relações Internacionais, é jornalista profissional e editor-chefe das revistas de geopolítica Oltrefrontiera News e Babilon. Articulista e ensaísta, é colaborador da revista Panorama Opinião, ensaísta, colaborador da Panorama (Mondadori) e do canal de notícias SkyTg24. Dirige, atualmente, a editora Countries Editions, especializada em economia, terrorismo, política de inteligência e cultura.
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