Operações policiais em comunes elucidam fraudes na Itália
A polícia italiana vem, já faz algum tempo, deflagrando operações contra fraudes cometidas no âmbito da prática para o reconhecimento da cidadania italiana pela via administrativa iures sanguinis na Itália.
O caso mais recente foi noticiado pela imprensa italiana no último domingo (28), resultado de uma operação policial realizada em Campobasso, na região de Molise. Dois proprietários de agências de assessoria para a cidadania na Itália foram multados em 135 mil euros. Também foram punidos 35 proprietários de imóveis acusados de aluguel a estrangeiros sem a devida comunicação às autoridades públicas.
Investigações têm desbaratado casos de residências fictícias, falsificação de documentos e corrupção de agentes públicos italianos. Liderando as atividades criminosas, comumente, aparecem brasileiros proprietários de agências de cidadania (agenzie di disbrigo pratiche di cittadinanza) que contam com o apoio de funcionários de cartórios (ufficio anagrafe) e policiais municipais (vigile urbano) encarregados de facilitar os trâmites da burocracia.
A procura pelo passaporto rosso é crescente. Viver num país europeu – não necessariamente na Itália – é sonho acalentado por muitos ítalo-descendentes. Segundo o gabinete de estatísticas da União Europeia (Eurostats), o número de brasileiros que teve reconhecida a cidadania italiana aumentou 71%, entre os anos de 2016 e 2017.
A longa fila de espera para a cidadania italiana nos consulados faz com que muitas pessoas busquem o reconhecimento direto na Itália - o que é direito de quem descende, em linha direta, de imigrantes italianos. Entretanto, é necessário cumprir o estabelecido em lei. E isso, infelizmente, nem sempre é o que acontece.
Neste contexto, a residência para fins do reconhecimento da cidadania na Itália tem sido um ponto crítico e gerador de muitas discordâncias. Afinal, qual o tempo necessário para ela ser considerada moradia habitual pelas autoridades na Itália? Veja o que diz Luigi Spadone, responsável pelo anagrafe de Santa Maria Maggiore – um dos municípios italianos cujo cartório de registro civil foi alvo de investigação:
“Se o funcionário de registro verificar que se trata de uma residência apenas declarada, mas não real, ele deve rejeitar o pedido de residência e, portanto, as condições para as quais o oficial pode agir no procedimento de reconhecimento da cidadania seriam invalidadas. É claro que se os sujeitos são realmente residentes, então, a atenção se desloca para os documentos produzidos, para os quais - como já foi mencionado - a verificação pelo município nem sempre é fácil ”. (Leia a íntegra aqui – em italiano)
Conheça operações policiais ou ações de suspeição, em províncias e comunes italianos, ocorridas entre os anos de 2017 e 2019, ligadas a delitos cometidos no âmbito da prática do reconhecimento da cidadania italiana. As informações, a seguir, foram retiradas de veículos da imprensa italiana de matérias publicadas à época dos acontecimentos.
Comune di Campobasso - Provincia di Campobasso (MOLISE)
Em Julho de 2019.
Práticas de cidadania sem as devidas autorizações, multa de 135 mil euros para dois brasileiros.
Autorizações de residência irregulares e casas alugadas in nero no território provincial. É o que emergiu de uma investigação policial na capital Campobasso tendo cidadãos brasileiros como protagonistas.
Dois deles, que conduziam as atividades de uma agência de procedimentos administrativos relativos à atribuição de residência e cidadania "iure sanguinis" em favor de compatriotas sem a comunicação necessária às autoridades públicas, foram multados em 135 mil euros.
Como parte das investigações contra cidadãos brasileiros que apresentaram um pedido de reconhecimento da cidadania italiana "iure sanguinis", tendo alugado as mesmas casas em vários municípios da província, levantaram 35 sanções contra proprietários de imóveis por alojamento a estrangeiros sem a devida comunicação escrita, no prazo de 48 horas, às autoridades de segurança pública local, em violação do artigo 7.º do Decreto Legislativo n.º 286/98.
Comune di Lauriano – Provincia di Torino (PIEMONTE)
Em julho de 2019.
Policiais da companhia de Chivasso realizaram uma busca no cartório de Lauriano, município que faz parte da cidade metropolitana de Turim.
Coordenada pelo Ministério Público de Ivrea, a investigação apontou a existência de falsos certificados de residências de cidadãos brasileiros. Seis pessoas investigadas pela suposta falsificação em ato público e corrupção. Uma delas foi escoltada pelos carabinieri dentro do cartório. Trinta certificados de residência sob investigação.
Provincia di Como (LOMBARDIA)
Em julho de 2019.
Os 154 comunes da Província de Como foram orientados a não conceder a inscrição de residência a cidadãos brasileiros que buscam o reconhecimento da cidadania italiana "iure sanguinis" na Itália.
A instrução para o não registro anagrafe de cidadãos brasileiros com residências estabelecidas exclusivamente para este fim e de forma provisória foi emitida pela Prefeitura de Como (Lombardia), por meio da Circular nº 17/2019, do dia 8 de julho passado.
O documento orienta os prefeitos dos comunes da Província de Como a não inscreverem na lista de residentes os ítalo-brasileiros que não atenderem os pressupostos que configuram a residência habitual e estável no lugar.
Provincia di Verbano Cusio Ossola e di Novara (PIEMONTE)
Em março de 2019.
Municípios onde os crimes ocorreram (os maiores): Domodossola, Omegna, Ornavasso, Arona, Orta San Giulio, Macugnaga, Santa Maria Maggiore.
As investigações coordenadas pelo Ministério Público do Comune di Verbania duraram mais de um ano e se estenderam a 34 municipalidades das duas províncias. Foi verificado que a obtenção da cidadania e a liberação do passaporte eram baseadas em residências falsas e em falsificação de documentos.
Foram sete pessoas presas, sendo seis brasileiros. Implicado também um pároco de Pádua, no Vêneto, acusado de falsificar uma certidão de batismo.
Conforme divulgado, a quadrilha atuava também como uma agência de turismo e gerenciava cerca de 60 apartamentos onde acomodava os clientes que pagavam 7 mil euros pela realização da “prática” da cidadania italian. Incluso no preço a produção de documentos falsos. É estimado que o esquema, ao longo de um ano e meio, tenha arrecadado mais de 5 milhões de euros. As autoridades informaram a existência de 800 processos em risco de serem cancelados além de 200 passaportes falsos.
Provincia di Mantova – (LOMBARDIA)
Em maio de 2019.
O Grupo Guardia di Finanza de Mantova descobriu um caso de evasão fiscal cometido por um cidadão de origem brasileira. O sujeito da investigação possuía uma organização estruturada, sob a forma de uma empresa individual empenhada em ajudar na Itália pessoas que buscavam o reconhecimento da cidadania italiana. O homem, residente em Roncoferraro, foi processado por não ter declarado 900 mil euros, ao longo dos últimos cinco anos.
Os 325 brasileiros tornaram-se cidadãos de Mantova, Porto Mantovano, Bergantino (Rovigo), Cinisello Balsamo e Cologno Monzese. O procedimento para obtenção da nacionalidade foi regular e, de fato, quem se voltava para ele pagando 3 mil euros na prática, obtinha os documentos em ordem.
Comune di Todi - Provincia di Perugia (UMBRIA)
Em abril de 2019.
Policiais da companhia de Todi descobriram falsos documentos originários do Brasil que atestavam a existência de um ancestral italiano para obter a cidadania, além de dinheiro e presentes para agilizar a papelada. A investigação foi iniciada em 2017 e chegou a dois funcionários da Prefeitura de Todi que receberam uma ordem de interdição pelo órgão público por 12 meses. Na investigação do Ministério Público em Spoleto, quatro outros funcionários públicos e dois proprietários de agências de práticas administrativas sob investigação que, de acordo com as estimativas dos policiais, cobravam entre 7 e 10 mil euros de seus clientes.
As acusações foram de falsidade ideológica e falsificação de documentos públicos e de documentos eletrônicos, instigação à corrupção e corrupção por um ato contrário aos deveres oficiais. Os militares colocaram sob investigação entre 80 e 90 práticas de reconhecimento da cidadania.
Provincia di Teramo (ABRUZZO)
Em julho de 2018.
A investigação foi iniciada após o grande número de pedidos de passaportes italianos recebidos, nos últimos anos, nos escritórios da Delegacia de Polícia de Teramo, por novos cidadãos italianos de origem brasileira que haviam adquirido a cidadania italiana nos municípios de Pineto, Roseto degli Abruzzi, Notaresco e Castellalto.
Dez ordens provisórias de proibição de residência na província de Teramo foram expedidas a proprietários de agências de intermediação que cobravam de 3 a 4 mil euros por estrangeiro. Também foram aplicadas medidas de interdição a guardas e funcionários do estado civil e policiais urbanos. No total, 23 pessoas foram consideradas suspeitas.
As acusações foram de residências fictícias, documentos falsificados e abuso de poder.
Conforme noticiado, investigadores verificaram que, em pelo menos 72 casos de reconhecimento da cidadania, nos anos de 2015 e 2016, no município de Notaresco e intermediadas por agências de assessorias, o funcionário público atestou falsamente que o pedido de cidadania lhe havia sido apresentado em uma data anterior à entrada do cidadão brasileiro em território italiano.
Comune di Portici – Provincia di Napoli (CAMPANIA)
Em junho de 2018.
A investigação conduzida pelo Ministério Público de Nápoles descobriu 100 pedidos de cidadania considerados suspeitos da utilização de documentação falsa.
De acordo com a reconstrução dos investigadores, as reivindicações de cidadania 'irregulares' teriam sido produzidas por meio de residências fictícias e casamentos.
A investigação surgiu após a detecção de uma série de pedidos suspeitos. Essa atividade de investigação, por sua vez, foi desencadeada por denúncias anônimas.
Comune di Maddaloni - Província de Caserta (CAMPANIA)
Em abril de 2018.
As investigações realizadas por meio de inúmeras interceptações telefônicas levaram à prisão um brasileiro, responsável pelo agenciamento dos documentos falsos, e três funcionários da prefeitura de Maddaloni. Todos, além da pena de reclusão, foram sentenciados a pagar 15 mil euros por cada uma das 200 cartas de identidade emitidas de forma irregular.
250 cidadãos brasileiros, quase todos residentes irregulares na Inglaterra, teriam sido beneficiados pelo esquema pagando 1.000 euros pelo serviço que emitia falsos documentos de identidade e registros de residência. A quadrilha também falsificava certidões de nascimento de supostos antepassados dos solicitantes para provar que eles seriam descendentes de italiano.
Comune di Ospedaletto Lodigiano - Provincia di Lodi (LOMBARDIA)
Em fevereiro de 2018.
Retirada dos dados cadastrais do anagrafe e o cancelamento da cidadania italiana de 1.188 brasileiros que, entre julho de 2015 e julho de 2017, teriam realizado os procedimentos no município. O ato administrativo ocorreu após a conclusão do processo judicial sobre o caso de "residências fáceis", com cinco pessoas envolvidas, incluindo um funcionário do registro civil do cartório (anagrafe) e o policial local em serviço em Ospedaletto.
O esquema tinha à frente um casal de brasileiros que fazia o repasse da propina para agentes públicos atestarem a residência de brasileiros que não atendiam o tempo mínimo de permanência necessário para obter a certificação. Segundo divulgado pela imprensa italiana, houve casos de brasileiros que sequer foram à cidade e que, mesmo assim, obtiveram o atestado de residência.
Comune di Lodi – Província de Lodi (LOMBARDIA)
Em julho de 2017.
As investigações revelaram um sistema de suborno de funcionários públicos italianos visando a liberação indevida de residências a brasileiros que buscavam, no município de Lodi, o reconhecimento da cidadania italiana.
O sistema de corrupção de funcionários públicos italianos partia de uma agência de consultoria para imigração, com sede em Monza, dirigida por um casal de brasileiros. A dupla cobrava de clientes uma quantia entre 3.500 e 5.000 euros para realizar a "prática", enquanto, desse valor, cerca de 1.250 euros eram destinados a funcionários do anagrafe. Apenas em 2016, segundo noticiado, foi reconhecida a cidadania italiana de cerca de 500 brasileiros que jamais teriam residido na área de Lodi.
Comuni di Augusta e di Floridia – Provincia di Siracusa (SICILIA)
Em maio de 2017.
Uma organização meticulosa para garantir a cidadania italiana aos cidadãos brasileiros que não seriam elegíveis. Um mecanismo gerenciado por sete pessoas, incluindo funcionários dos municípios de Augusta e de Floridia, todos desmascarados pela polícia depois de mais de um ano de investigação.
Envolvidos três brasileiros residentes em Siracusa que foram acusados de corrupção e ajuda à permanência ilegal de cidadãos estrangeiros. Também três funcionários públicos residentes em Floridia com prisão domiciliar e um funcionário público expulso da função.
A atividade investigativa, iniciada em abril de 2016, concentrou a atenção em um fluxo significativo e anômalo de cidadãos brasileiros em alguns municípios da província de Siracusa que rapidamente obtiveram o reconhecimento da cidadania italiana.
O processo burocrático era gerenciado pelo dono de uma agência de assessoria, sediada na capital de Arezzo. O modus operandi da agência previa a captação de clientes por meio de um blog que propunha “pacotes” com tudo incluso - viagem, deslocamento do aeroporto, alojamento por alguns dias na província e assistência no procedimento processual em questão, garantindo a resultado positivo em apenas três meses. O custo por pessoa era de 3.500 a 5.000 euros, resultando num volume estimado superior a 2 milhões de euros.
Comune di Brusciano - Provincia di Napoli (CAMPANIA)
Em abril de 2017.
A cidadania italiana foi reconhecida por trás de documentos falsos a cerca de 300 brasileiros, em dois anos. Cinco suspeitos na investigação "Carioca".
O responsável pela secretaria de estado civil de Brusciano e o titular de uma agência de práticas administrativas de Terni foram presos com a acusação de recebimento de propina para conceder a dupla cidadania, especialmente a brasileiros.
A investigação apontou para a utilização de carimbos falsos em documentos apresentados ao poder público italiano, segundo informações do Tribunal de Nola, em Nápoles.
Conforme apurado, quem conseguiu a cidadania ilegalmente não residiu de fato no comune e permaneceu na Itália apenas o tempo estritamente necessário para cumprir as formalidades burocráticas. De acordo com as primeiras análises, esse prazo não passava de alguns dias. Depois disso, esperavam o certificado de cidadania no Brasil.
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