Roma
Situada na planície do Lácio, às margens do rio Tibre e próxima ao litoral (mar Tirreno), a cidade de Roma originou-se a partir da fusão de dois povos: os latinos e os sabinos. Inicialmente uma aldeia pequena e pobre, numa data difícil de precisar Roma foi conquistada pelos seus vizinhos do norte, os etruscos, que dela fizeram uma verdadeira cidade. Os romanos eram também vizinhos dos gregos, que, ao sul, haviam criado a chamada Magna Grécia, onde habitavam desde a época da fundação de Roma.
Dos etruscos e dos gregos os romanos receberam importantes influências e, com base nelas, elaboraram a sua própria civilização.
A sociedade romana, como a grega, é exemplo de sociedade escravista, embora difira desta em alguns aspectos fundamentais. O processo de concentração de terras pela aristocracia patrícia jamais foi bloqueado, e o poder e a influência daquela camada social permaneceram praticamente inalterados até o fim.
O elemento central da grande estabilidade desfrutada por Roma foi a instituição do latifúndio escravista, que, estabelecido ali numa escala desconhecida pelos gregos, proporcionou aos patrícios o controle sobre os rumos da sociedade. À solidez econômica e política da situação dos patrícios somou-se o talento militar dos romanos, que fez de Roma, uma cidade-Estado, a sede de um poderoso império.
Como os gregos, os romanos iniciaram sua história sob o regime monárquico (fundado por Rômulo, segundo a lenda), experimentaram a república e terminaram os seus dias sob o domínio de um império universal despótico e muito parecido com os modelos orientais.
Monarquia (753 - 509 a.C.), República (509 - 27 a.C.) e Império (27 a.C.- 476 d.C.) são os três períodos em que se costuma dividir a história de Roma. O período do Império, por sua vez, é subdividido em Alto Império e Baixo Império. O Alto Império (27 a.C.- 235 d.C.) é a fase em que esteve em vigor o regime político do principado. O Baixo Império (235-476), o regime político do dominato.
Monarquia
Patrícios e plebeus. Desde o tempo da Monarquia, a sociedade romana encontrava-se dividida em patrícios e plebeus. Os patrícios pertenciam à camada superior da sociedade, e os plebeus, à camada inferior. O que distinguia a ambos era a gens uma instituição análoga ao genos grego. Somente os patrícios pertenciam às gentes (plural de gens). Uma gens congregava os indivíduos que descendiam, pela linha masculina, de um antepassado comum. Portanto, a gens nada mais era do que família em sentido amplo. Em outras palavras, gens era o nome que os romanos davam àquilo que conhecemos como clã. E, como qualquer clã, a gens era composta de várias famílias individuais. Uma gens distinguia-se de outra pelo nome: gens Lívia, gens Fábia, etc. e todos os seus membros traziam o nome da gens. O nome dos patrícios era composto de três elementos: o prenome, o nome gentílico, ou da gens, e o cognome ou designação especial, uma espécie de apelido. Exemplos: Lúcio Cornélio Sila, Caio Júlio César, etc. Quer dizer: Sila era membro da gens Cornélia, e César, da gens Júlia.
Com a conquista etrusca de Roma e ao longo do governo dos três últimos reis etruscos, a desigualdade entre patrícios e plebeus se aprofundou. Os patrícios não cessavam de ampliar o seu poder com o recrutamento de clientes. Essa palavra, para nós sinônimo de freguês, designava, para os romanos, um conjunto de dependentes que, em troca de lealdade e serviços, recebia favores das famílias patrícias. A clientela formava uma categoria social especial de agregados dessas famílias, cuja origem parece não ser a mesma dos plebeus. Primitivamente, clientes e plebeus eram duas categorias diferentes que acabaram, com o tempo, fundindo-se numa só, como veremos adiante. Toda grande família patrícia tinha a sua clientela. Em 479 a.C., a gens Fábia, por exemplo, era constituída por 306 membros e tinha de 4 a 5 mil clientes. Porém, por volta do ano 100 a.C., era freqüente plebeus se dizerem clientes de uma família rica para receber dela algum amparo. Como categoria social, os plebeus continuaram sendo os que não pertenciam a nenhuma gens.
A menor unidade social era, pois, a gens. Um certo número de gentes formava uma cúria, e dez cúrias formavam uma tribo. Há portanto nessa organização certo paralelismo com a da Grécia:
Roma: gens - cúria - tribo
Grécia: genos - fratria - tribo
As tribos romanas
Existiam em Roma, primitivamente, três tribos étnicas. Por volta de 470 a.C., elas foram substituídas por tribos territoriais. Em 241 a.C., atingiu-se, no total, 35 tribos territoriais (quatro urbanas e 31 rurais). Esse total não foi mais ultrapassado.
Cada gens era chefiada por um pater (pai). Os membros das cúrias reuniam-se em assembléias denominadas comícios curiatos, que votavam as leis. Os chefes das gentes, os patres (plural de pater e palavra da qual se origina patrício), formavam o Senado, ou seja, o conselho superior que atuava com o rei na época da Monarquia e que se converteu, durante a República, no órgão dirigente supremo. A palavra senado deriva do latim senex, que significa velho. O Senado era, pois, um conselho de anciãos, uma instituição muito comum na Antiguidade. Seu equivalente, na Grécia, era a Gerúsia, em Esparta. Inicialmente composto de cem membros, o Senado passou a ter depois trezentos e, mais tarde, seiscentos membros.
Os que não pertenciam a nenhuma gens eram plebeus e, por esse motivo, estavam excluídos da vida política. Sem direitos políticos, eram considerados cidadãos de segunda classe. Mas, atenção, ser plebeu não significava ter uma condição econômica inferior ou de pobreza.
As reformas servianas. Sérvio Túlio, o segundo rei etrusco, é tido como o realizador de diversas reformas que favoreceram os plebeus. Ele criou várias gentes, promovendo famílias plebéias à condição de nobres, organizou assembléias militares, os comícios centuriatos, e estimulou o comércio e o artesanato visando fortalecer economicamente os plebeus. Essas medidas, que a tradição atribuiu a Sérvio Túlio, ficaram conhecidas como reformas servianas. O objetivo do rei, entretanto, não era propriamente beneficiar os plebeus, mas fortalecer o poder monárquico. A criação de uma classe plebéia vigorosa tinha por fim a neutralização do poder dos patrícios, ou seja, algo semelhante ao pretendido pelos tiranos, como Pisístrato, na Grécia. Mas em Roma essa política não teve o mesmo efeito.
Comícios Centuriatos
Centúria era o nome de uma unidade de infantaria com oitenta combatentes e não cem, como a denominação sugere. Dos comícios centuriatos participavam todos os cidadãos mobilizáveis para o exército, incluindo os plebeus: Ao criar essas assembléias, Sérvio Túlio deu aos plebeus os meios para sua expressão política.
A queda da Monarquia. Foi um movimento dos patrícios desejosos de manter seus privilégios contra a política popular de Sérvio Túlio. Tarquínio, chamado de O Soberbo, deu continuidade à política de seu antecessor. Os patrícios reagiram em 509 a.C. contra aquela política, destronando Tarquínio e dando fim à Monarquia. Para a felicidade dos patrícios, o êxito do movimento foi assegurado em boa parte pelo declínio da civilização etrusca, que não conseguiu realizar uma intervenção pronta e eficaz em Roma. Assim nasceu a República romana.
A fundação da República
A reorganização dos poderes na República. Vitoriosos, os patrícios fizeram algumas modificações nas instituições de poder. O Senado e os comícios curiatos e centuriatos permaneceram como estavam. Mas o poder antes exercido pelo rei foi dividido e entregue a dois cônsules, que permaneciam apenas um ano no cargo. Desse modo, os patrícios tentaram eliminar o risco de retorno da Monarquia.
A conquista dos plebeus. As principais instituições políticas da República eram, portanto, o Senado, a magistratura (desempenhada pelos cônsules) e os comícios curiatos e centuriatos. Mas somente os patrícios podiam ser senadores, cônsules e membros dos comícios curiatos. Os plebeus tinham acesso unicamente aos comícios centuriatos, criados por Sérvio Túlio. Nessas assembléias tinham direito de participação todos os cidadãos que serviam ao exército, o que incluía tanto plebeus quanto patrícios. Os plebeus tinham, assim, uma participação ínfima na vida política romana. Por isso, nos duzentos anos seguintes à criação da República, eles lutaram insistentemente pela ampliação de seus direitos.
Os plebeus não eram, entretanto, um grupo social homogêneo. Embora a maioria fosse pobre, existiam plebeus muito ricos. Na luta contra os patrícios, enquanto os pobres exigiam leis escritas, abolição da escravidão por dívidas e distribuição de terras, os ricos reclamavam uma lei que permitisse o casamento entre patrícios e plebeus e o acesso às magistraturas. Ao longo de duzentos anos, com muita luta, os plebeus atingiram seus objetivos. O primeiro passo foi a conquista de um órgão político de defesa de seus interesses, o tribunato da plebe. Essa conquista ocorreu depois que os plebeus ameaçaram criar, em 494 a. C ., uma sociedade plebéia separada da dos patrícios, nas vizinhanças de Roma.
Os tribunos da plebe, a princípio dois e mais tarde dez, eram considerados sacrossantos, isto é, invioláveis. Fazer ameaças ou resistir a eles pela força era considerado um sacrilégio. Os tribunos tinham o direito de intercessio, o que significava poder socorrer o cidadão ameaçado por um magistrado e interceder para anular atos ou decisões que julgassem prejudiciais aos plebeus. Podiam também reunir a assembléia da plebe e fazer votar o plebiscito, que tinha o valor de lei para os plebeus. Por volta de 450 a.C., depois de uma revolta plebéia, uma comissão de dez membros (decênviros) publicou pela primeira vez um código de leis válido para todos a. Em 445 a.C., com a Lei de Canuleio, foi autorizada a união matrimonial entre patrícios e plebeus. Mas no ano seguinte, com o fim de impedir que os plebeus conseguissem o direito de se tornar cônsules, essa magistratura foi abolida pelos patrícios.
O consulado, entretanto, foi restabelecido em 366 a.C., e o acesso a ele foi permitido aos plebeus pelas Leis de Licínio e Sextio, ambos tribunos da plebe. Foram ainda criadas duas novas magistraturas (funções políticas) a dos pretores e a dos censores , reservadas com exclusividade aos patrícios e às quais foi transferida parte dos poderes do antigo consulado. Os plebeus, contudo, continuaram sua luta, exigindo acesso a todas as magistraturas, o que lhes foi concedido em 300 a.C. Por fim, em 286 a.C., através da Lei Hortênsia, os plebiscitos tornaram-se leis válidas também para os patrícios. A partir de então passou a ocorrer o comício das tribos ou assembléia tribal, com a participação de patrícios e plebeus. Em 326 a.C., outra medida importante abolira a escravidão por dívidas que pesava sobre os plebeus empobrecidos.
As instituições políticas da República. Apresentamos, a seguir, os principais órgãos de governo, as relações que mantinham entre si e o seu funcionamento
Os comícios elegiam os magistrados. Estes ingressavam no Senado, após cumprir o mandato de magistrado. O Senado aconselhava os magistrados. Senatus consultum (decreto) era o nome dado às decisões do Senado. Além de reunir e presidir os comícios, os magistrados propunham as leis, que os comícios votavam. Os comícios ou assembléias curiatas, reunidos por cúrias, segundo a tradicional organização gentílica, tornaram-se meras formalidades em meados do século III (250 a.C.). Também perderam força os comícios centuriatos. Ao longo do tempo destacou-se o comício das tribos ou assembléia tribal.
Transformações econômicas e sociais
A primitiva economia romana. A palavra pecúnia significa, em latim, riqueza, e é derivada de pecus (gado) . Essa constatação levou os historiadores a deduzirem que os romanos foram primitivamente criadores de gado, antes de, sob a influência dos gregos e principalmente dos etruscos, terem se convertido em agricultores. Quando República foi fundada, em 509 a.C., a agricultura, baseada na policultura, era praticada em propriedades familiais, juntamente com o artesanato. A produção destinava-se ao auto-abastecimento, havendo aquisições ocasionais, por compra, de ferramentas de metais.
O expansionismo no tempo da República. No início da República, nada distinguia Roma de outras sociedades antigas. Mas, aos poucos, ela foi se destacando como potência militar. Esse processo começou com guerras defensivas, travadas contra os vizinhos que cobiçavam seus produtos e suas terras. Gradualmente essas guerras se converteram em guerras de conquista, até que, em 272 a.C., depois de duzentos anos de luta, toda a Península Itálica ficou finalmente sob dominação romana.
Com a conquista e a unificação da Península Itálica, Roma se transformou numa respeitável potência. O problema é que o seu território passou a fazer fronteira com Cartago, outra grande e temível potência da época.
Cartago era uma cidade de origem fenícia (punicus, em latim), situada no norte da África. Contra ela, entre os anos 264 e 146 a.C., Roma travou três guerras, na segunda das quais teve que enfrentar o lendário general cartaginês Aníbal. Esses confrontos ficaram conhecidos como Guerras Púnicas, e os romanos venceram todos eles.
A vitória contra Cartago possibilitou a Roma o domínio das ilhas de Sardenha, Córsega e Sicília, além da Espanha e do norte da África.
Roma não parou mais de se expandir depois disso. Voltou os olhos para o Leste, onde conquistou o reino macedônico da Grécia, e levou a guerra até o mar Negro, onde reinava Mitridate, um formidável opositor, que resistiu aos romanos por mais de vinte anos, até ser derrotado, em 66 a.C.
O ager publicus. Com as conquistas, tanto a economia quanto a sociedade romana foram se transformando. Até 202 a.C., quando terminou a Segunda Guerra Púnica, Roma ainda não havia se voltado para o Oriente. Naquele momento, os domínios romanos limitavam-se ao Ocidente, que, em comparação com o Oriente Helenístico (antigo domínio de Alexandre Magno), era pouco desenvolvido e muito pobre. Mas os povos do Ocidente - Itália, sul da Gália e parte da Espanha tinham uma riqueza que despertava a cobiça dos patrícios: terras. Essas terras foram confiscadas e convertidas em terras públicas (ager publicus). Apesar de públicas, foram vendidas ou arrendadas aos patrícios, os únicos que, na prática, tinham acesso a elas. Foi justamente essa privatização das terras públicas que impulsionou o processo de concentração de terras nas mãos dos patrícios.
Esse processo jamais teve seu desenvolvimento bloqueado em Roma, diferentemente do que ocorreu na Grécia, onde as maiores extensões iam de 12 a 24 hectares. Os latifúndios romanos eram freqüentemente superiores a 120 hectares. Houve os que chegaram a atingir 1.200 e até mesmo 80.000 hectares. A maioria dos latifúndios, entretanto, não era constituída por terras contínuas, mas por terras dispersas, situadas em regiões diferentes.
Mas não foram apenas as terras conquistadas aos povos do Ocidente que fizeram a fortuna e o poder dos patrícios. Com a conquista do Oriente e a imposição da administração romana, um imenso volume de dinheiro começou a fluir para as mãos dos patrícios e para os cofres do Estado, a ponto de este se dar ao luxo de abrir mão do imposto fundiário e do tributam cobrado do povo em tempo de guerra.
Latifúndio e escravidão. Contudo, a transformação crucial do período foi a constituição do escravismo. Trazidos do Ocidente e do Oriente, os escravos tornaram-se a principal mão-de-obra, tanto na agricultura quanto no artesanato, como já havia ocorrido na Grécia. Mas a grande originalidade de Roma foi a combinação inédita de latifúndio e escravidão. Em comparação com o escravismo grego, o romano mostrou-se muito mais amplo e profundo, atingindo um número surpreendente de pessoas, proporcionalmente ao de pessoas livres:
em 225 a.C., para 4 milhões e quatrocentos mil homens livres, havia 60 mil escravos;
em 43 a.C., para 4 milhões e quinhentos mil homens livres, havia 3 milhões de escravos.
Nunca a Antiguidade tinha visto algo semelhante.
O impacto das conquistas sobre os plebeus. Para os plebeus, o expansionismo romano teve conseqüências funestas: quanto mais a República triunfava no exterior, mais os plebeus se arruinavam em Roma. Na realidade, a expansão romana prejudicou os plebeus de vários modos.
As guerras, ao mobilizarem constantemente os pequenos e médios proprietários plebeus (os assidui), provocaram a sua ruína. Os que não pereciam na guerra, ao retornar não tinham meios para retomar as suas atividades, pois não recebiam nenhum tipo de compensação pelos serviços prestados ao Estado, não sendo levado em conta nem mesmo o fato de que a eles se devia o êxito romano no exterior.
O expansionismo romano prejudicou os plebeus ainda de outro modo, em razão de um processo muito semelhante ao que ocorrera na Grécia. Com a importação maciça de trigo das províncias sicilianas e norte-africanas, o preço do produto despencou em Roma. Os pequenos e médios proprietários não tinham como concorrer com o baixo preço do trigo importado e logo ficaram sem meios para saldar as dívidas contraídas e prover o próprio sustento. Em geral acabavam perdendo as suas terras para os credores patrícios.
Os patrícios também foram atingidos pela entrada do trigo das províncias. Mas eles enfrentaram essa nova situação fazendo a reconversão das culturas: abandonaram o cultivo de cereais e se especializaram na plantação da vinha e da oliveira e na produção de vinho e azeite de oliva, além de árvores frutíferas.
Essa reconversão não estava ao alcance dos pequenos e médios proprietários, em virtude do tempo de maturação exigido pela nova cultura até as primeiras colheitas. Era necessário dispor de recursos para esperar o retorno do investimento feito na nova plantação.
Enquanto os patrícios dispunham de recursos para suportar a espera, aos plebeus estavam reservados destinos trágicos. Com os latifúndios sendo trabalhados por uma numerosa escravaria e 90% do artesanato sendo exercido por escravos, o campo de trabalho para eles havia se reduzido drasticamente. Arruinados pela guerra, pela importação do trigo, pelo latifúndio escravista, os plebeus foram forçados a abandonar o campo e migrar para as cidades, onde engrossaram as fileiras da plebe urbana, sem propriedade e sem trabalho.
A plebe urbana. A plebe urbana, ociosa, tinha como único meio de sobrevivência colocar-se sob a proteção das grandes e ricas famílias, transformando-se em sua clientela. Toda manhã dirigia-se à casa de seus patronos para receber mantimentos e algum dinheiro. Depois, aguardava a distribuição de trigo feita pelo Estado, a baixo preço.
Para manter a plebe sob controle, o Estado oferecia também, além do trigo, espetáculos circenses. Submetida a essa política do pão e circo (panem et circenses), a plebe urbana, desocupada e desmoralizada, perdeu toda a vontade de retornar ao campo e passou a ser um dócil instrumento nas mãos de nobres ambiciosos. Para os patrícios, praticar essa política era cômodo e custava menos que distribuir terras. A distribuição de terras era evitada porque se temia que sua posse pudesse devolver aos plebeus a antiga condição de assidui, não desejada devido ao senso cívico e participativo que lhes era próprio. Esse era um problema que os patrícios tudo faziam para contornar.
A nobreza senatorial. Enquanto o escravismo se impunha e a condição da plebe se degradava, ocorriam também transformações no estrato superior da sociedade romana.
No início da República, pertenciam ao estrato superior da sociedade apenas os membros das gentes a nobreza gentílica. No final da República, existiam 47 dessas famílias patrícias tradicionais. Porém, no decurso da República, havia ocorrido um importante fenômeno em Roma: a ampliação da nobreza. Ao lado da tradicional nobreza gentílica, haviam surgido novas famílias de nobres, cujos membros eram os nobilitas. A conquista dessa posição devia-se ao fato de os chefes de algumas famílias plebéias terem pertencido ao Senado. Naturalmente, tratava-se de famílias plebéias bastante ricas. Com o tempo, a tradicional nobreza gentílica fundiu-se com a nova, dando origem à nobreza senatorial.
Desde o ano 366 a.C., quando o acesso ao Consulado foi aberto aos plebeus, teoricamente o ingresso à condição nobiliárquica ficou possibilitado a todos, pois os cônsules tornavam-se automaticamente membros do Senado. Mas, na prática, a nova nobreza senatorial fechou e impediu o acesso aos altos cargos da magistratura aos membros não pertencentes ao seu grupo. De 200 a.C. a 146 a.C., apenas três não integrantes da nobreza senatorial conseguiram a proeza de penetrar no fechado círculo daquela aristocracia.
Os cavaleiros e os homens novos. Os antigos e novos membros que compunham a nobreza senatorial monopolizavam as altas magistraturas e se apropriavam dos altos cargos militares e dos governos provinciais. Tinham a terra como base de sua riqueza e detinham uma fortuna em imóveis.
A sombra do fortalecimento da nobreza senatorial, fez também fortuna considerável um pequeno número de famílias plebéias ligadas ao mundo dos negócios. Essas famílias se enriqueceram como fornecedores do exército, como mercadores do comércio marítimo ou como chefes de organizações bancárias. Esse pequeno grupo de empreendedores tinha por base a riqueza mobiliária (dinheiro e mercadorias, portanto riqueza móvel em oposição à riqueza imóvel da nobreza senatorial). A sua importância econômica era enorme e, pela fortuna de que dispunha, estava muito acima da massa plebéia empobrecida. Os membros dessa nova camada social ganharam o nome de cavaleiros.
A eles os censores contratavam para construir obras públicas e, nas províncias, o Estado passava a responsabilidade de cobrar impostos, chamando-se publicanos os cobradores de impostos. Alguns dos cavaleiros haviam conseguido elevar-se um degrau a mais na escala social, tornando-se homens novos (homines novi). Esse título era conferido aos cavaleiros que tivessem exercido cargos na alta magistratura e aos integrantes de suas famílias. Socialmente elevada, essa posição era, porém, inferior à da nobreza senatorial.
Os irmãos Graco
O poder aristocrático. A carreira normal de um nobre era denominada, em latim, cursos honorum (carreira de honras), e seguia uma ordem em que se sucediam os cargos de questor, edil, pretor e cônsul. Os filhos dos senadores, a quem era permitido acompanhar, de pé, as sessões do Senado, beneficiados pela solidariedade e proteção de classe, eram praticamente os únicos a terem acesso ao cursus honorum.
Um pequeno número de famílias nobres controlava a totalidade dos altos cargos, graças à sua vasta clientela e à compra de votos de eleitores nos comícios. Por meio dos edis (responsáveis pela organização dos jogos), patrocinavam atividades de lazer, ganhando com isso popularidade entre as massas, facilmente iludíveis com promessas demagógicas. Assim, garantiram apoio para suas ambições políticas.
A política aristocrática. A nobreza senatorial, a que dominava na República, era muito mais poderosa e ciosa de seus interesses do que a similar grega, jamais tendo feito qualquer concessão que comprometesse levemente seus privilégios políticos e econômicos. Além de conservar o governo integralmente em suas mãos, não cedeu um palmo sequer de suas propriedades em favor dos plebeus, cuja condição foi se degradando continuamente ao longo da República.
A partir da conquista da Itália e das Guerras Púnicas, a nobreza foi se tornando proprietária de extensões cada vez maiores de terras e aumentando continuamente o número de seus escravos. Enquanto isso, o exército incorporava, entre 200 e 167 a.C., cerca de 10% ou mais dos camponeses adultos, uma porcentagem extremamente elevada e só possibilitada pelas conquistas, que garantiam um número crescente de escravos para substituir a mão-de-obra camponesa.
Roma vivia um círculo vicioso, que beneficiava apenas a nobreza senatorial. As guerras de conquista proporcionavam terras, tributos e escravos, gerando recursos para equipar exércitos e financiar novas conquistas, que possibilitavam o confisco de mais terras e a obtenção de mais tributos e escravos.
Em 133 a.C., quando o rei de Pérgamo, Átalo III, legou em testamento o seu reino aos romanos, o sistema escravista estava firmemente instalado e, junto com ele, o inabalável poder da nobreza senatorial. Foi nesse momento que Roma viveu a sua última e mais importante experiência reformista, ao final fracassada.
A luta pela reforma: os irmãos Graco (133 - 121 a.C.). O ataque ao sistema aristocrático partiu de dois políticos que descendiam da mais alta nobreza romana Tibério e Caio Graco, os irmãos Graco.
A iniciativa partiu de Tibério, eleito tribuno da plebe em 133 a.C. Conhecedor da filosofia grega e admirador de Péricles, Tibério Graco ambicionava recriar a classe dos pequenos proprietários e, com essa finalidade, apresentou o projeto de uma lei agrária, que restabeleceria a prática de uma antiga lei. O projeto era bastante moderado e simples. Propunha a encampação das terras do Estado (ager publicus), indevidamente ocupadas pelos grandes proprietários e usadas para a criação de gado. A título de compensação, o projeto previa uma espécie de indenização a esses grandes proprietários, concedendo-lhes a posse de 125 hectares de terra, além de lotes suplementares de 62, 5 hectares por filho.
Apesar de moderado, o projeto dessa lei agrária foi violentamente rechaçado pela nobreza, que conseguiu eleger um dos seus representantes, Octavius, como tribuno, com a missão explícita de vetá-lo. Essa manobra dos nobres era perfeitamente legal. Tibério convenceu então a plebe a votar a deposição de Octavius e a aprovar seu projeto, o que era ilegal. Uma vez aprovada a lei agrária, foi nomeada uma comissão de três membros, composta por Tibério, seu irmão Caio e um cunhado seu, para executar o que a nova lei determinava.
Diante da ilegalidade do procedimento que levara à aprovação da lei e por ser contrário ao espírito da reforma de Tibério, o Senado recusou-se a autorizar os gastos necessários para a realização da reforma. Tibério voltou a desafiar os poderosos, promovendo uma assembléia tribal que votou um projeto pelo qual as despesas seriam cobertas pelo tesouro do rei Átalo III, de Pérgamo. Por último, quebrou a tradição ao tramar a sua reeleição como tribuno no ano seguinte. Com Tibério acusado pelos seus adversários de pretender tornar-se tirano, a eleição dos tribunos ocorreu num clima de grande turbulência. Decididos a impedir a qualquer custo a reeleição de Tibério, um grupo de senadores liderados por Cipião Nasica, um ex-cônsul e sumo sacerdote, invadiu com seus clientes o Capitólio, templo dedicado a Júpiter e situado na área central de Roma, onde se encontrava Tibério, que ali foi massacrado juntamente com os seus seguidores.
Se houvesse tido êxito, Tibério teria desempenhado em Roma um papel equivalente ao do tirano Pisístrato em Atenas. Mas a situação em Roma era outra. Os pequenos proprietários, arrancados de suas terras para servir ao exército, estavam ausentes, e os que residiam em suas terras encontravam-se dispersos. A plebe urbana, que teoricamente era o contingente a ser beneficiado pela lei agrária, já não manifestava interesse pela volta ao campo e ao trabalho, ociosa e corrompida que estava por sua transformação em clientela das grandes famílias. Na verdade, o projeto de Tibério era impraticável numa sociedade que havia assumido plenamente a feição escravista.
Não obstante, dez anos depois, em 123 a.C., Caio Graco foi eleito tribuno, com a intenção de continuar a obra de Tibério. Beneficiado por uma lei de 125 a. C ., que dava ao tribuno o direito de reeleição, Caio Graco tinha, em tese, condições para concluir o projeto do irmão.
Eleito, Caio Graco reapresentou e aplicou a lei agrária, conseguindo distribuir os lotes públicos notadamente em Cápua e Tarento.
Uma de suas iniciativas foi a distribuição de trigo a baixo preço. Para conseguir esse feito, que posteriormente teve grande importância, foi preciso reorganizar o comércio do cereal. O trigo consumido em Roma era trazido da Sicília, da Sardenha e da África. Devido aos especuladores e à suspensão do transporte marítimo no inverno, seu preço ao chegar em Roma era alto. Caio decidiu armazenar o cereal em silos após a colheita, o que regularizou e barateou seu fornecimento ao longo de todo o ano, beneficiando a plebe urbana.
Para garantir a apuração das irregularidades administrativas e a corrupção, Caio Graco possibilitou aos ricos homens de negócios (os cavaleiros) o acesso a cargos nos tribunais, ao lado dos senadores. Estabeleceu na província da Ásia (ex-Pérgamo) uma nova forma de cobrança de impostos, que iria depois se generalizar: os tributos passaram a ser recolhidos, pelo prazo de cinco anos, por aquele que comprasse esse direito pelo lance mais alto. Os concorrentes na disputa dessa concessão eram os publicanos (arrendadores de impostos), que formavam em Roma uma verdadeira sociedade, com administração e cargos próprios. Esse sistema de cobrança de impostos já era adotado na Sicília, sobre o trigo. A sua adoção na Ásia e em outras províncias distantes teve, entretanto, efeitos nefastos, pois a ganância dos publicanos os levou a cobrar impostos extorsivos, cujo excedente embolsavam. Reeleito em 122 a.C., Caio tomou duas medidas polêmicas: fundou uma colônia em Cartago e propôs a concessão de cidadania romana a todos os aliados latinos da Itália. A reação da nobreza foi imediata. Ela acusou Caio Graco de sacrilégio por fazer renascer Cartago, uma cidade considerada maldita. A proposta de concessão de cidadania não foi menos problemática. Enquanto a nobreza temia perder o controle sobre as eleições, os próprios beneficiários da medida a viam com desconfiança. Os latinos ricos, por exemplo, tornando-se cidadãos romanos, ficavam sujeitos à lei agrária dos Gracos. Os pobres viam na concessão a desvantagem de passarem a ser recrutados pelo exército romano. A nobreza romana aproveitou ainda para difundir entre a plebe urbana o comentário de que a concessão da cidadania proposta por Caio Graco implicaria, fatalmente, a divisão do trigo e dos lugares nos circos entre um número maior de pessoas, despertando, com isso, os mais baixos sentimentos de egoísmo nas massas.
Conduzidas com habilidade pelo Senado, as intrigas políticas surtiram efeito ao impedir uma nova reeleição de Caio Graco. No ano de 121 a.C., toda a legislação criada por ele foi anulada pelo novo tribuno. Em seguida, estourou uma desordem social e o Senado usou-a como pretexto para aprovar o senatus consultam ultimum (último decreto), que dava aos cônsules o poder de tomar as medidas necessárias para coibir a agitação. Caio Graco fugiu para o Aventino, onde reaglutinou as suas forças. Atacado pelo cônsul Opímio, Caio escapou, mas se fez matar por um escravo. Era ainda o ano de 121 a.C.
Mudanças políticas. Os irmãos Graco foram para os romanos a derradeira chance de encaminharem sua sociedade para a democracia. Mas as bases sociais para o êxito dessas reformas, aquelas forças sociais que, na Grécia, se opuseram com sucesso ao egoísmo aristocrático, estavam totalmente corroídas. Em Roma, a aliança entre plebeus ricos (cavaleiros) e plebeus pobres era impossível no final do século 11 a.C. A distância entre ambos havia se aprofundado de tal modo, que nenhum acordo podia ser efetivado. Temendo a massa popular miserável e corrompida pelo clientelismo, os cavaleiros aliaram-se à nobreza senatorial, fortalecendo a posição dessa última.
Os irmãos Graco, formados na cultura grega e inspirando-se em seu exemplo político, pretendiam transformar o tribunato na magistratura suprema do Estado e torná-lo indefinidamente renovável tal como se dera, em Atenas, com o cargo estratego, que Péricles ocupou seguidamente. O fracasso dos Graco selou o destino de Roma.
O Império: origens e declínio
Mário, Sila e César. A história de Roma depois do fracasso da experiência reformista dos irmãos Graco foi marcada por dois processos interligados: o exército substituiu o Senado como núcleo de poder e o exercício desse poder passou dos senadores para um ditador e, mais tarde, para um imperador. Em suma, a República foi substituída pelo Império.
O declínio do poder dos patrícios foi produto de sua própria ambição e egoísmo. Desde o começo, eles haviam utilizado o exército como instrumento para conseguir mais terras e mais escravos. O expansionismo tinha como base um exército cívico composto pelos assidui (pequenos proprietários), mas com o tempo foi se tornando imprescindível o recrutamento dos proletários aqueles que nada possuíam, a não ser seus filhos (prole). O exército cívico não se mantinha organizado permanentemente e os soldados não eram remunerados. Com a integração dos proletários, esse exército converteu-se gradualmente em exército profissional, pois os soldados passaram a ser pagos para combater. O general Mário foi o autor dessa mudança, que pouco a pouco levou os soldados a colocarem os seus interesses acima dos interesses do Estado e a prestar mais apoio a um chefe militar que os beneficiasse do que ao governo constituído da República. Não foi por outro motivo que Mário, instituindo uma ditadura informal, converteu-se no homem forte de Roma. Eleito cônsul pela primeira vez em 107 a.C., ele só poderia ser reeleito dez anos depois, como estabelecia a lei. Mas se reelegeu em 104 a.C. e em todos os anos seguintes até o ano 100 a.C. Ele foi, assim, cônsul seis vezes seguidas e ainda chegou a ser reeleito novamente em 87 a.C.
As leis republicanas previam a ditadura uma magistratura extraordinária, com poderes ilimitados, mas para atuar apenas em momentos de grave crise e por tempo determinado.
Era esse tipo de poder que os novos e ambiciosos generais estavam buscando. Depois do primeiro passo dado por Mário, vieram Sila e César, que adotaram formalmente o título de ditador. A ditadura foi aos poucos corroendo as bases da República e preparando terreno para a implantação da monarquia imperial.
Contudo, nenhum dos ditadores, mesmo o poderosíssimo César, ousou abolir oficialmente a República. A situação manteve-se ambígua: de Mário a César, para todos os efeitos, a República continuou existindo, embora funcionasse cada vez menos como forma de governo. Mas esse declínio relativo não anulou o sentimento republicano, que continuou muito vivo em Roma. E a isso se deveu o assassinato de César, em 44 a.C., ocorrido em conseqüência de uma conspiração liderada por Brutus (seu filho adotivo) e Cássio.
Antes de César assumir o governo como ditador, houve um curto período em que vigorou o triunvirato (governo de três) integrado por ele, Pompeu e Crasso. Depois de uma luta interna, César venceu os rivais e assumiu o poder sozinho em 48 a.C. César era tio-avô e pai adotivo de Otaviano, que o sucedeu.
A ascensão de Otávio. Na seqüência dos acontecimentos, entretanto, a República não levou a melhor. O poder transferiu-se para as mãos de três homens ligados a César: Otaviano, Marco Antônio e Lépido, que formaram o segundo triunvirato. Brutus e Cássio fugiram de Roma e foram derrotados em 42 a.C.
O general Lépido, o mais inexpressivo, perdeu logo seu poder para Otaviano, em 36 a.C. Por esse tempo, Otaviano fazia-se chamar de Otávio e apresentava-se em Roma como herdeiro legítimo de César, enquanto seu rival, Marco Antônio, governava o Oriente a partir do Egito e se preparava para enfrentá-lo, caso a ocasião para isso se oferecesse. Essa ocasião chegou em 31 a.C. e terminou com a vitória de Otávio.
O Principado. Nos anos que se seguiram à vitória contra Marco Antônio, Otávio, através de títulos e mudanças no próprio nome, foi cumulado de honrarias, a última delas como fundador do Império. Em 40 a.C., ele recebeu do exército o título de Imperator, que transformou em seu prenome. E, para ressaltar a sua relação de parentesco com César, divinizado após a morte, e para significar que dele havia adquirido o direito de comando do exército, Otávio conservou para si a denominação César. O nome que adotou foi, então, Imperator Caesar Divi Filius, significando Imperador Filho de César Divino.
Depois de ter exercido o governo com poderes excepcionais desde a guerra contra Marco Antônio, Otávio executou em 27 a.C. uma manobra política bem-sucedida: renunciou aos seus poderes numa sessão do Senado e declarou restaurada a República. Nessa mesma reunião, o Senado não apenas reafirmou seus poderes, como concedeu-lhe novos títulos, como princeps, que significava primeiro cidadão romano. Além disso, conferiu-lhe o título Augusto, dado apenas aos deuses. Otávio, que daí em diante passou a ser conhecido por Augusto, saiu, portanto, mais fortalecido desse episódio.
Os quatro primeiros imperadores que sucederam Augusto eram todos parentes entre si e fizeram parte da dinastia conhecida como Júlio-Cláudia ou Júlio-Claudiana (2 7 a. C . - 69 d. C . ) . Vieram depois as dinastias Flaviana (70 - 96), Antonina (96 - 193) e Severiana (193 - 235).
A crescente influência do exército na vida política foi a principal característica do Principado. Sua primeira intervenção ocorreu no reinado de Calígula, um imperador cujo comportamento mostrava claros sinais de desequilíbrio mental, morto em decorrência de um complô dirigido contra ele pelos oficiais da guarda pretoriana.
Apesar dessa tendência, o Principado conheceu uma fase de grande estabilidade com a dinastia Antonina, durante a qual vigorou a chamada Pax Romana (paz romana), que perdurou por quase cem anos.
Com a chegada dos Severos ao poder imperial, teve início outro período de turbulência, que chegou ao auge em 235 d.C. Esse foi o ano em que começou a mais profunda crise do Império Romano, da qual ele saiu completamente transformado cinqüenta anos depois. Nesse conturbado período conhecido como anarquia militar, de 235 a 285, Roma conheceu uma rápida sucessão de mais de vinte imperadores, dos quais apenas um morreu do morte natural. Em constantes motins, o exército romano estava dividido em facções rivais, que proclamavam os imperadores com a mesma facilidade com que os assassinavam.
As duas fases do Império. O Principado (27 a.C. - 235 d.C) e o Dominato (284 - 476) constituem as duas fases do Império, separadas uma da outra por um período conhecido como anarquia militar (235 - 284). O primeiro período é também chamado de Alto Império e o segundo, de Baixo Império.
O Império começou com Augusto tendo nas mãos os poderes civil, militar e religioso. Ele vinculou a posição social do indivíduo à renda e restringiu a competência do Senado e das magistraturas aos assuntos civis relativos a Roma e à Itália. Por fim, reorganizou o exército profissional e tornou-o permanente. A intervenção dos militares na política foi o traço marcante do Principado e continuou a sê-lo ainda mais no Baixo Império.
De principado a dominato
A obra de restauração do Império esteve ligada a dois grandes imperadores do período: Diocleciano e Constantino. Mas o Império restaurado já não era o mesmo do tempo de Augusto. Desde Domício Aureliano (270 - 275) o imperador deixara de ser o princeps, ou seja, o primeiro cidadão, e passara a ser dominus et deus (senhor e deus). Com ele o Império passou de principado a dominato.
Coube a Diocleciano e Constantino dar a forma final ao dominato. Um dos traços característicos do novo regime foi a introdução do direito divino dos imperadores. Ao mesmo tempo, o poder do Senado declinou, até transformar-se numa instituição meramente decorativa.
Em 235, com a morte do imperador Alexandre Severo, começou um novo período de anarquia militar que perdurou até a ascensão de Diocleciano, em 284. Esse novo imperador dividiu o Império em duas metades, a ocidental (Roma) e a oriental (Nicomédia), e instituiu a tetrarquia (dois impera dores com os respectivos vices para cada parte). O Império foi reunificado por Constantino (306 - 337), que fundou no Oriente a cidade de Constantinopla no lugar da antiga cidade grega de Bizâncio. Com Teodósio ( 379 - 395), o Império foi de novo dividido, dessa vez definitivamente.
A crise econômica. O indiscutível êxito da reorganização política do Império, com Diocleciano e Constantino, não foi acompanhado pelo revigoramento da economia. O declínio da população havia atingido quase todas as províncias, trazendo problemas tanto para o exército quanto para a agricultura, devido à falta de soldados e de braços para a lavoura. Por essa razão, germânicos pacíficos que viviam próximo à fronteira tiveram permissão para se instalar Império como agricultores ou foram recrutados como soldados. Uma das principais conseqüências foi que o exército se tornou cada dia menos romano.
Se a vasta extensão foi o principal motivo da grandeza de Roma, com o tempo ela se tornou a causa de sua fraqueza.
A crise econômica era mais visível nas cidades, onde o artesanato e o comércio sofreram uma paralisia, generalizando-se o processo de decadência urbana vivido pelo Império. Essa crise refletiu se claramente na depreciação da moeda, cujo teor de prata fora reduzido a 5% na época de Galieno (258 - 267).
O Império acuado. A substituição do Principado pelo Dominato (em 284) não foi mais que a adaptação do poder imperial a uma nova realidade socioeconômica, transformada profundamente no decorrer dos três séculos da Era Cristã. Durante esse período, Roma passou de potência conquistadora e expansionista a império acuado e voltado para a própria defesa. Sua capacidade de expansão atingira o limite já no tempo de Trajano (98 - 117), quando as fronteiras se haviam estabiblizado.
As conseqüências do fim do processo de expansão foram muitas. A primeira delas consistiu no fato de Roma ter deixado de receber as fortunas antes tomadas aos povos conquistados, que haviam promovido outrora o fácil enriquecimento da nobreza patrícia. A segunda, não menos importante, foi a diminuição da entrada de escravos, em geral prisioneiros de guerra. Na prática, a estabilização das fronteiras e o fim das conquistas assinalaram o início da crise do escravismo e do sistema imperial. A elevação do preço dos escravos nos séculos I e II d.C. foi o claro sintoma do escasseamento de sua oferta. Com o fim das conquistas, terminou também a repartição dos despojos de guerra entre o exército e a nobreza senatorial, o que só fez crescer a turbulência militar. Complicando esse quadro, a instabilidade política foi agravada pelas ameaças externas, tanto no Oriente, com os persas sassânidas, quanto no Ocidente, com os germânicos.
O intervencionismo estatal. A solução para esse conjunto de problemas apareceu com Diocleciano, que adotou como práticas a centralização do poder e o intervencionismo do Estado em todas as esferas da sociedade. Sua preocupação central, assim como a de seus sucessores, passou a ser a recuperação econômica e a melhora do sistema de arrecadação de impostos.
A recuperação econômica era uma tarefa particularmente difícil depois das ações predatórias do exército nas províncias, onde os constantes enfrentamentos entre facções rivais do próprio exército agravavam ainda mais a vida econômica local.
O comércio e as operações de crédito, que eram atividades parasitárias das conquistas, refluíram com o fim da expansão imperial e se retraíram ainda mais em virtude das ações militares destrutivas. Disso resultou a desvalorização da moeda, que fez o comércio retroceder para formas primitivas de trocas naturais. Essa regressão para uma economia natural, sem o uso do dinheiro, ocorrida durante o período de anarquia militar, havia destruído o sistema fiscal do Império, obrigando também o Estado a recolher os impostos em espécie.
A fim de garantir a eficácia do recolhimento in natura, Diocleciano ordenou um rigoroso recenseamento para conhecer a capacidade real dos contribuintes e determinar a proporção de bens a serem entregues ao Estado. Para facilitar o trabalho dos recenseadores e coletores de impostos, instituiu a obrigatoriedade da permanência dos indivíduos em sua profissão e em suas terras, e determinou que os comerciantes só poderiam negociar em locais definidos pelas autoridades.
A progressiva perda de liberdade devida ao aumento do controle do Estado sobre as pessoas tinha em vista não apenas garantir certo volume de impostos, mas também manter o funcionamento da economia em níveis satisfatórios. Os pesados encargos a que estavam sujeitos principalmente os pequenos proprietários rurais e urbanos acabaram, porém, provocando o abandono do trabalho e a fuga para locais inatingíveis pelo fisco, o que levou o Estado a redobrar as formas de controle sobre a população.
O enrijecimento da estrutura social. No século III, ao lado da escravidão, surgiu um novo tipo de trabalhador rural, o colono. Este, a princípio livre para abandonar a terra em que trabalhava, perdeu essa liberdade em 332, com o decreto de Constantino, que fixou o trabalhador na terra. Em caso de fuga, estava sujeito a ser acorrentado como os escravos. No tempo de Valentiniano I (364 - 375), foi formalmente proibida a venda do escravo separadamente da terra em que ele trabalhava, tornando a terra e o escravo indissociáveis. Assim, com a deterioração da condição dos trabalhadores livres, estes se tornaram, na prática, servos da gleba. Ficaram, desse modo, impedidos de abandonar a terra e, ao mesmo tempo, protegidos de serem despojados dela.
Os pequenos proprietários também tiveram sua liberdade restringida ao ficarem proibidos de deixar a sua aldeia.
O mesmo fenômeno repetiu-se nas cidades. A fim de evitar o abandono do trabalho e garantir a regularidade no exercício de certos ofícios, os artesãos foram reunidos em corporações (collegia), e tornou-se obrigatório o filho seguir a profissão do pai, criando-se um regime característico de castas. Os comerciantes, pertencentes agora à categoria dos chamados curiais, ficaram também presos à sua atividade e impedidos de transferir-se para o campo, como muitos desejavam.
Em suma, para fazer a economia funcionar e atender às necessidades mínimas de consumo da sociedade e pagar os impostos, o Estado restringiu drasticamente a liberdade de todos. Para executar essa nova política, o Estado ampliou o seu quadro de funcionários, aumentando consideravelmente a burocracia. A despesa que disso resultava, somada aos gastos militares com a defesa, elevou os custos de manutenção do Estado a níveis superiores à capacidade de uma economia arruinada e decadente. A longo prazo, a reorganização do Império em bases materiais tão debilitadas não poderia ter outro resultado senão o de enfraquecer o próprio Estado, tornando-o cada vez mais vulnerável aos ataques externos.
A ruralização da economia. O esforço de recuperação econômica feito pelo Dominato, apesar de toda a dificuldade, teve o mérito de manter o Império de pé por mais de duzentos anos ainda. Contudo, a sua obra estava sendo minada também por dentro, pois desde o século III a ruralização da economia se convertera numa tendência irreversível, reforçada pela consolidação das grandes propriedades, pertencentes à nobreza senatorial. Chamados agora de Claríssimos, os membros da nobreza senatorial eram os únicos que prosperavam em meio à crise econômica e militar, pois a terra era a última riqueza sólida que restara. Para as grandes propriedades, denominadas villas, convergiam fugitivos, escravos ou homens livres, em busca de proteção. O poder e a autoridade dos Claríssimos cresciam na mesma proporção em que o poder do Estado diminuía. Essa camada era suficientemente forte para não prestar contas às autoridades municipais e, muitas vezes, ignorava os próprios governos provinciais. O seu poder e autoridade se ampliaram ainda mais quando os pobres do campo e da cidade, que fugiam dos coletores de impostos ou de bandos armados, passaram a ser colonos dos grandes proprietários. Essa proteção que os proprietários davam aos colonos recebia o nome de patrocínio. Por esse meio, um número cada vez maior de pessoas era subtraído à autoridade do Dominato, motivando as tensões entre o Estado e os Claríssimos. A partir de 360, decretos imperiais proibiram o patrocínio. Com isso, camponeses e grandes proprietários chegaram a ser punidos. Mas toda a ação do Estado nesse sentido foi inútil. A força descentralizadora dos grandes proprietários contribuía para reduzir o Estado à completa impotência, preparando o caminho para a derrocada final do Império.
A queda do Império Romano
A chegada dos hunos e a ameaça visigótica. As antigas crônicas chinesas mencionavam um povo nômade e guerreiro das estepes asiáticas, denominado Xiong-Nu os hunos. Parentes dos turcos, os hunos ganharam a fama de guerreiros invencíveis. Com seus inseparáveis cavalos, eram também considerados os mais hábeis cavaleiros do mundo. No século IV, apesar da Grande Muralha chinesa, os hunos conquistaram o norte da China. Enquanto isso, outro grupo, o dos hunos ocidentais, rumava para o oeste. Em 370, depois de atravessarem os rios Volga e Don, esses hunos entraram em contato com os ostrogodos, no sul da Rússia, e derrotaram-nos em 375. Os ostrogodos que não aceitaram submeter-se fugiram para o Ocidente e se juntaram aos visigodos. Mas estes, pressionados pelos hunos, inimigos que julgavam incapazes de vencer, suplicaram ao imperador da parte oriental do Império Romano, Valente (364 - 378), a permissão para ingressar em seus domínios. Perto de 200 mil visigodos atravessaram o Danúbio, com autorização imperial, para se instalar no território romano da Ilíria. Foi um erro do imperador. Uma vez em segurança, os visigodos marcharam em direção ao Mediterrâneo, pilhando o que encontravam pelo caminho. Valente deu-se conta do erro e, confiante, resolveu enfrentar os visigodos em Adrianópolis, em 9 de agosto de 378, mas teve seu exército aniquilado pela cavalaria visigótica e ele próprio foi morto. Felizmente para os romanos, Teodósio (379 - 395), sucessor de Valente, impediu que os visigodos tomassem Constantinopla, forçando-os a fazer um acordo pelo qual deveriam instalar-se na Trácia como federados.
Saque de Roma por Alarico (410). Com a morte de Teodósio em 395, os visigodos, chefiados por Alarico, reiniciaram os ataques, ameaçando Constantinopla. Mediante negociação diplomática, foram desviados para a Grécia, que saquearam e destruíram durante anos, sobretudo Corinto e as cidades do Peloponeso. Em 401, após novas negociações diplomáticas, as autoridades de Constantinopla fizeram com que Alarico fosse para a Itália. Lá chegando, depois de duas tentativas, os visigodos cercaram a cidade de Roma, nela penetrando na noite de 24 de agosto de 410. Durante três dias Roma foi saqueada e incendiada. No dia 27, Alarico evacuou a cidade, levando consigo reféns, entre os quais a irmã do imperador. Tomando a direção sul, destruiu Cápua e atingiu o estreito de Messina. De lá pretendia passar para a Sicília e tomar depois o rumo da África, onde pretendia se fixar. Porém, sua morte súbita, ainda naquele ano, fez os visigodos mudarem de plano.
Enquanto o Império estava ocupado em defender-se dos visigodos, uma série de ondas invasoras se iniciava no norte, o que acabaria resultando na queda do Império Romano Ocidente.
A primeira onda: a grande invasão de 406. No dia 31 de dezembro de 406, em meio a um rigoroso inverno, uma federação informal de tribos germânicas, composta pelos suevos, vândalos e alanos, pressionada pelos hunos, atravessou o Reno e devastou a Gália. Pela brecha aberta entraram em seguida os burgúndios, que se instalaram entre Worms e Spira, na Alemanha atual, e os alanos, que ocuparam a Alsácia.
Em 409, os germânicos daquela federação informal passaram para a Espanha. Essa província era mais pobre do que a Gália e, submetida à pilhagem, nela espalhou-se a fome, que dois anos depois atingiu também os invasores. Sem alternativas, os germânicos viram-se obrigados a negociar com o Império e aceitar a condição de federados. Os suevos se estabeleceram ao norte do rio Douro, os vândalos na região de Sevilha e os alanos no planalto central da Espanha.
A reconciliação dos visigodos. Alarico teve como sucessor Ataulfo, seu cunhado, que procurou reconciliar os visigodos com o Império. Depois de demonstrar sua lealdade aos romanos combatendo um rival de Honório (395 - 423), imperador do Ocidente, os visigodos foram admitidos como federados na Aquitânia, no sul da Gália. Ataulfo foi assassinado por um de seus criados em 415 e sucedido por Wallia, que reafirmou lealdade a Roma.
A partir de 415, o Império se conformou com a presença germânica em seu território e procurou incorporá-los, colocando-os a seu serviço, como outrora fizera com tanto sucesso nas províncias.
A desintegração do Império Romano do Ocidente. A partir de 406, com a grande invasão, a unidade do Império Romano do Ocidente encontrava-se seriamente comprometida. Depois de se instalarem na Espanha e serem admitidos como federados, os vândalos romperam o tratado com o Império e reiniciaram seu movimento expansionista. Chefiados por Genserico, um rei enérgico, os vândalos os únicos bárbaros que possuíam uma frota cruzaram o estreito de Gibraltar em 429 e chegaram dez anos depois a Cartago, estabelecendo um extenso domínio no norte da África.
Os visigodos, que haviam ocupado a Aquitânia, expandiram o seu domínio para a Espanha (418). Os burgúndios (nome do qual veio Borgonha) penetraram na Gália, no rastro da grande invasão de 406, e se estabeleceram na Sabóia, incorporando a partir de 458 os vales do Saona e do Ródano, fundando aí o seu reino.
Esses invasores germânicos, teoricamente federados e obedientes a Roma, haviam estabelecido, na realidade, domínios soberanos e independentes. A unidade imperial do Ocidente tornara-se, de fato, uma ficção.
Contudo, essa primeira onda invasora germânica foi levada a cabo por povos que haviam sofrido forte influência romana. Não tinham, por esse motivo, o objetivo de destruir o Império. Esse fato foi demonstrado por ocasião dos perigosos ataques desferidos pelos hunos.
A invasão dos hunos no Ocidente. Depois de terem atacado os germânicos na Europa oriental, provocando a grande invasão de 406, os hunos se estabeleceram na região atual da Hungria, na bacia do Danúbio. O Império do Oriente temia ser atacado e, para prevenir essa eventualidade, Constantinopla comprou a paz, literalmente a peso de ouro, entregando 6 mil libras desse metal aos hunos, em 443. Em 450, tendo à frente um imperador com maior firmeza, Marciano (450 - 457), Constantinopla recusou-se a renovar o pagamento daquele tributo.
Desde 439, os hunos eram governados por um rei de forte personalidade, chamado Átila. Por razões desconhecidas, sob sua liderança os hunos renunciaram às suas pretensões no Oriente e decidiram invadir o Ocidente. Assim, pela segunda vez, o Império Romano do Oriente se salvou à custa do Império Romano do Ocidente.
Contra esses invasores asiáticos formou-se no Ocidente uma forte coligação romano-bárbara. Quando os hunos chegaram à Gália, em 451, eram esperados por esse exército de forças conjugadas, que incluía alanos, burgúndios, francos, saxões e visigodos os aliados bárbaros de Roma.
Repelidos da Gália, os hunos, depois de refazer as suas forças, voltaram à Itália, em 452, sitiando, destruindo e saqueando suas cidades. Caminharam diretamente para Roma, cujos habitantes entraram em pânico. Para incredulidade geral, o papa Leão I, o Grande (440 - 461), tomou a iniciativa de negociar com Átila, ao qual ofereceu uma enorme riqueza para abster-se do ataque a Roma. Para surpresa de todos, Átila aceitou a oferta e se retirou da Itália. Dois anos depois, quando se preparava para novas campanhas no Oriente, sofreu morte súbita na noite de núpcias de mais um de seus casamentos. Com a morte de Átila, a unidade dos hunos se desintegrou.
A queda de Roma. A união temporária romano-bárbara contra os hunos não eliminou a instabilidade interna em que se encontrava a parte ocidental do Império. Em 476, um grupo de bárbaros composto por hérulos e godos, que serviam como mercenários em Roma, estava reivindicando o estatuto de federados, o que lhe daria o direito de obter terras e, aos chefes, o direito de receber tributos. Diante da negativa imperial, um desses chefes, Odoacro, um hérulo, tomou a iniciativa de derrubar o fraco imperador Rômulo Augústulo (475 - 476) e assenhoreou-se da Itália, coroando-se rei. Desaparecia, assim, o Império Romano do Ocidente.
Os fatores da queda de Roma. Desde a morte de Teodósio, em 395, as duas partes do Império ocidental e oriental foram se diferenciando. Essa diferença era particularmente notável em relação à capacidade de defesa diante das ameaças germânicas. Exemplo disso foi a incapacidade do Ocidente romano de livrar-se da crescente importância dos germânicos nas forças armadas. Constantinopla conseguiu afastar os germânicos do comando e retomou o controle sobre o exército. Em Roma, ao contrário, o exército permaneceu estruturalmente germanizado, apesar dos esforços em contrário.
Um dos fatos decisivos para a queda de Roma foi a amplitude das fronteiras do Ocidente romano, o que impossibilitava que fossem totalmente guarnecidas. Para sua infelicidade, ocorreu também que as migrações germânicas tomaram clara e decididamente a direção ocidental. Nesse ponto, a divisão do Império consumada por Teodósio foi altamente negativa para o Ocidente, pois a defesa dos ataques germânicos contra o Ocidente não contou com uma ação coordenada diante de um inimigo comum. Para piorar a situação, a parte oriental, encabeçada por Constantinopla, usava meios diplomáticos para desviar os germânicos para o Ocidente, como aconteceu com os visigodos.
Desde o tempo de Teodósio (378 - 395), a pressão germânica sobre o Ocidente não parou de crescer. Naturalmente, para fazer frente às ameaças externas, Roma viu-se na contingência de assegurar a arrecadação de impostos. Porém, a sua base econômica debilitada suportava cada vez menos o ônus da defesa. Como conseqüência, o peso da situação foi minando gradualmente a parte ocidental, acarretando um grave processo de decomposição. Assim, Roma viu-se num terrível círculo vicioso: as incursões germânicas desorganizavam a economia, reduzindo a capacidade dos romanos de pagar impostos e, em conseqüência, enfraqueciam o poder militar do Estado. Paralelamente, outro fator, não menos importante, atuava contra a parte ocidental: à medida que o Estado se enfraquecia, a nobreza latifundiária, muitas vezes aliada aos chefes militares, reforçava a sua autonomia, aprofunda aprofundando a debilidade do governo imperial. Tudo isso ocorria no exato momento em que as ameaças germânicas requeriam, mais do que nunca, uma ação coesa e coordenada do Estado. Essa desintegração interna do Império Romano do Ocidente contribuiu decisivamente para o êxito dos ataques germânicos. A facilidade com que Odoacro se apossou de Roma, depondo Rômulo Augústulo em 476, mostrou a extrema vulnerabilidade a que havia chegado o Império Romano do Ocidente.
O fim do mundo antigo e o início da Idade Média. A metade oriental do Império Romano sobreviveu até 1453. Desapareceu, portanto, 977 anos depois da queda de Roma e da fundação do reino de Odoacro na Itália, em 476. Nessa última data, segundo os historiadores, terminou o mundo antigo e teve início a era medieval. Esta situa-se entre a queda de Roma (476) e de Constantinopla (1453), isto é, entre o fim do Império Romano do Ocidente e o fim do Império Romano do Oriente, também chamado Império Bizantino.
Quando Roma desapareceu como centro do Império, ainda sobrevivia no Mediterrâneo oriental uma grande civilização da Antiguidade, a dos persas, que a partir de 226 constituiu o Império Sassânida. Este, juntamente com o Império Romano do Oriente, representava a continuidade do mundo antigo.
Já na parte ocidental, com achegada dos germânicos, iniciou-se um longo processo de fusão entre estes e a tradição romana, que só iria ganhar contornos precisos com a constituição do feudalismo, a partir do século IX.
A região do Mediterrâneo, que era o centro em torno do qual girava o mundo antigo, não havia sofrido, apesar da invasão germânica, uma ruptura com a Antiguidade. Esta ocorreu, efetivamente, a partir de meados do século VIII, com a expansão árabe-islâmica. Os árabes representaram um dado completamente novo no cenário mediterrânico. Sua inesperada irrupção levou de roldão o Império Sassânida, pondo fim a uma história de doze séculos da antiga Pérsia, e conquistou também dois terços dos territórios do Império Bizantino. Foram, portanto, os árabes que alteraram por completo o quadro político vigente até então no Mediterrâneo, colocando um ponto final na história do mundo antigo.